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Actores e espectadores: Duas perspectivas em confronto

O aspecto franzino de Fátima Meireles dificilmente deixa adivinhar a energia que transporta consigo. Uma energia transbordante que transpõe entusiasticamente para a forma como descreve a profissão de actriz e a sua relação com o público, mote do desafio proposto pela PÁGINA para esta rubrica dos Protagonistas.
Apesar da sua curta experiência no mundo do teatro (trabalha a nível profissional há apenas quatro anos), não hesita em afirmar que, na prática, se pode dividir os espectadores em duas categorias: aqueles que são frequentadores habituais e que já sabem ao que vão, e os ?outros?, aqueles que formam o público em geral e quem nem sempre se identificam com a linguagem teatral. ?Não pretendo com isto dizer que um é melhor do que o outro, mas a relação que se estabelece é necessariamente diferente?.
Então, de que forma essa diferença marca a presença em palco e em que medida influencia a relação entre actores e espectadores? ?À partida devíamos ter a capacidade de imaginar que do ?outro lado" não está ninguém e ficar indiferente às reacções que se vão projectando para o palco. Mas muitas vezes torna-se difícil ignorá-las, mesmo que sejam atitudes naturais como uma gargalhada ou um comentário para parceiro do lado?. Ainda assim, admite, o papel do espectador é mesmo esse: interagir com o que vai vendo e manifestar a sua reacção (de preferência não ruidosamente?). Da mesma maneira, o papel dos actores deve ser adaptar-se a esses improvisos e actuar em função deles.
Natural de Coimbra e formada no Porto, Fátima Meireles trabalha actualmente no Algarve como formadora de artes do palco com escolas e instituições sociais. É a única forma de não deixar de fazer aquilo que gosta, porque actualmente ?torna-se difícil arranjar emprego a tempo inteiro numa companhia de teatro?. Ainda assim não desiste do seu sonho e trabalha num projecto que, se tudo correr bem, poderá resultar num grupo profissional dentro de pouco tempo. Mas para isso, explica, é necessário que haja mais espectadores a frequentar as artes do espectáculo, o que, por sua vez, implica uma maior formação de públicos. ?Não sou a favor da subsídio-dependência, mas no momento que vivemos é impossível subsistir sem apoios do Estado?.
E qual é a perspectiva de quem está do outro lado do palco, a do espectador? Para Nuno Carvalho, técnico de análise microbiológica, cinéfilo convicto e frequentador habitual de eventos culturais, o espectáculo é tanto mais aliciante se estiverem reunidas as condições para que o espectador se sinta confortável. E o conforto não depende necessariamente da comodidade dos lugares onde se instala, mas de factores tão simples como o ambiente que o rodeia. ?Não gosto de ouvir o som das pipocas no cinema, por exemplo. Implica com a minha forma de ver um filme. Só vou a cinemas de pipoca quando não tenho outra alternativa?.

O espectador como um crítico

Por outro lado, qual é a expectativa do espectador em relação à prestação de quem se encontra no palco? Na opinião do entrevistado ela é cada vez menor, já que os espectadores são, em sentido inverso, cada vez mais meros ?elementos passivos" do espectáculo, no qual os artistas se prestam como autênticas ?máquinas?. Mas nem sempre é assim. Por vezes, a comunhão entre os dois lados ultrapassa a dualidade actor-espectador.
?Num concerto do grupo Mão Morta, realizado na Aula Magna de Lisboa para a gravação de um álbum ao vivo, senti que os espectadores se fundiam com a banda. Foi uma das raras vezes em que senti que público e actores ? neste caso os músicos - formaram uma única entidade?. O ambiente intimista que se gerou ? ?não éramos mais de algumas dezenas e não havia palco nem plateia? - contribuiu em larga medida para essa sensação, explica.
Na opinião de Nuno Carvalho, a cultura deveria ser um bem gratuitamente acessível. Porém, toda a gente sabe que não é isso que acontece. ?Hoje em dia o mundo do espectáculo está rendido ao mercantilismo. Existe um ranking de artistas, os críticos de arte que definem quem são os artistas de primeira, segunda e terceira categorias e os lobbies que fazem dinheiro com a arte. No final, tanto artistas como espectadores acabam por ficar enredados nesta teia?. E estabelece uma comparação com o jornalismo: existe aquele que consegue manter-se neutro e aquele que trabalha para o mercado. ?A função do espectador também passa por aí: ser crítico quanto baste para conseguir distingui-los?.
E na medida em que a arte funciona sob esta lógica de mercado, é legítimo entendê-la como mais um ?serviço? prestado ao grande público. Por esta ordem de ideias, sublinha, é igualmente legítimo esperar tanto mais de um espectáculo quanto mais alto for o preço pago por ele.
Mas nem só de cultura se faz o espectáculo e se reduz a condição do espectador. Apesar de ser um amante da arte, a ?bola? também lhe desperta paixão. Adepto do Boavista, praticamente não falha nenhum jogo em casa dos axadrezados. ?O futebol é um espectáculo na mesma medida em que o é o teatro ou o cinema, com o aliciante de se estabelecer uma interactividade com os ?actores? no relvado". Ali, diz Nuno Carvalho, tudo é "inesperado", quase como se fossem duas companhias de teatro que durante noventa minutos improvisam para os espectadores nas bancadas. "Nunca se sabe quem vai sair feliz ou quem vai sair triste??.


  
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Edição:

N.º 128
Ano 12, Novembro 2003

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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