RADIANTES POR MANDAREM NO PAÍS, APESAR DA SUA PEQUENEZ ELEITORAL, PASSARAM O TEMPO A OUVIR OS DISCURSOS DESBRAGADOS DO LÍDER E SEUS ACÓLITOS.
Desfrutando dos aprazíveis ares marítimos neste final de verão, eles fizeram mais um encontro magno. Parece que não faltou ninguém: os pequenos e grandes burgueses, os latifundiários, os gestores e outros moleques do capital globalizado, os jovens populares, filhos de famílias mais ou menos boas, pouco ou nada populares, o ministro mais temente ao capital do que a Deus, o Fini, algumas tias de Lisboa, o padre revanchista, o Portas. Radiantes por mandarem no país, apesar da sua pequenez eleitoral, passaram o tempo a ouvir os discursos desbragados do líder e seus acólitos. Para além dos estafados apelos a uma ordem moral assente naquilo que designa por família tradicional, em que a cara manifestamente não liga com a careta, quer dizer, o discurso não condiz com a prática, lá foi proclamando o que o auditório gosta de ouvir. Com o atrevimento próprio de quem está inebriado com o poder, que deseja livre de qualquer ferrolho, o líder afirmou que é preciso mudar a constituição, pois não gosta do pouco que ainda lá ficou do sonho colectivo que, por vergonha, o PS impediu a direita de retirar em revisões passadas, e afiançou colocar sob vigilância cerrada os emigrantes, expulsando os mal‑comportados, naquela declinação populista que lhe é muito típica para agradar a segmentos das classes médias portuguesas preocupadas com o declínio inexorável do seu bem-estar material e a falta de perspectivas de emprego bem remunerado e estável para os filhos. Pelo meio atacou a descolonização, momento sempre alto para aquelas gentes, nostálgicas do colonialismo e dos privilégios proporcionados pela exploração dos africanos, ainda que para isso tivessem de se servir da vida de soldados conscritos e manchar a terra negra de sangue e sofrimento. Deslumbrado pelo convívio com o Rumsfeld, o Powell e outros mandarins do poder imperial, teve tempo também para manifestar a sua vassalagem aos senhores do império. Para disfarçar, como sempre faz, lá mandou encerrar o encontro com o hino nacional, que entoou com a exaltação que lhe é singular. Alguns dias mais tarde, com os votos da outra direita, fizeram aprovar na Assembleia da República uma censura ao sistema judicial por ter sido incapaz de condenar os arguidos do processo FP-25, ainda que para isso fosse preciso calcar direitos e garantias constitucionais. Curiosamente, nunca mostraram o mesmo zelo persecutório contra a rede bombista e seus crimes. Obviamente que aquilo que move a direita não é somente o amparo dos sofrimentos e prejuízos causados pelos desmandos das FP-25. Como é evidente neste caso lamentável da história da nossa República democrática, como também na homenagem a Maggiolo Gouveia, cujo destino trágico se lamenta, o que está em causa é o ajuste de contas com a democracia. Convivendo mal com a história recente do país, saudosa de tempos em que a ordem e a reprodução sociais não estavam perturbadas pela acção do Estado que, apesar de tudo, foi tentando minimizar as desigualdades nas oportunidades de vida dos cidadãos, a direita sente‑se forte para, como faz com os direitos sociais arrancados a ferros pela luta dos partidos e sindicatos de esquerda, injuriar o nosso passado colectivo recente. Em especial, a direita vitupera a acção e a memória dos que se atreveram a acabar com a guerra colonial, participar no nascimento de novas nações, devolver a liberdade de expressão aos portugueses e pacificar o país, elevando-se acima dos crimes cometidos pelos algozes do fascismo, inclusive no próprio dia da Liberdade, pela rede bombista e, mais tarde, pelas FP-25. Avessa aos compromissos que caracterizam os Estados-providência, para a direita esta é a hora de tudo atropelar e desfazer, incluindo os princípios fundadores do nosso regime democrático, para configurar a sonhada restauração que lhe garanta, doravante, a hegemonia absoluta.
|