INTEGRO O GRUPO NUMEROSO DOS QUE ACOMPANHAM O TÉNIS PELA TELEVISÃO. MAS SOU ASSÍDUO, NESTE MEU INTERESSE TELEVISIVO. E É A PARTIR DAQUI QUE AVANÇO, COM ALGUMA OUSADIA À MISTURA, QUE ROGER FEDERER É UM GÉNIO DO TÉNIS.
Pete Sampras já tem no ténis um sucessor: chama-se Roger Federer, um suiço de 21 anos. Não o consideram ainda o ?número um? do mundo; não tem a força de Pete Sampras; mas são muitos os comentadores a considerá-lo o futuro (muito próximo) campeão mundial de ténis. A sua vitória sobre Mark Philippousis, o vigésimo sexto do mundo, ficará registada, em letras de ouro, não só na história de Winbledon, mas também na história desta apaixonante modalidade. O gigante Philippousis era o favorito, Federer no entanto dominou o jogo com um à vontade que deixou surpresos os espectadores daquele célebre e aristocrático torneio. Federer não é um Sampras, não é um Agassi, não é um Carlos Moya, não é um Alberto Costa, não é um Philippousis. Mas tudo o que faz parece fácil, o que é a marca dos grandes campeões. Em 6 de Julho de 2003, nasceu o Sampras do futuro! Estou a exagerar? Integro o grupo numeroso dos que acompanham o ténis pela televisão. Mas sou assíduo, neste meu interesse televisivo. E é a partir daqui que avanço, com alguma ousadia à mistura, que Roger Federer é um génio do ténis. Quando o jogo findou e as lágrimas rolavam quentes pelo rosto de Federer, virava-se uma página da história do ténis e começava uma outra que o tenista suiço (e o seu treinador, o sueco Peter Lundgren) entrou de escrever, de maneira inesquecível. Aos 14 anos, Federer abandonou a escola, sentindo que o ténis era o seu destino. Não simpatizava também com um preparo físico muito rigoroso e analítico. Que o deixassem jogar era tudo o que pedia. A Federação de Ténis do seu país, temendo que sem uma preparação física, segundo velhos métodos, ele se desviasse de uma carreira triunfal, levou-o aos melhores centros europeus de alto rendimento, mas sem qualquer sucesso, pois que o treino de conceituados técnicos não o entusiasmava. Um dia, na Alemanha, chegou mesmo a declarar aos preparadores físicos: ?Eu não quero ser máquina! Quero ser campeão! Os senhores nada sabem de treino!?. Superficiais e apressados, logo os visados pelas suas palavras pediram a expulsão do recalcitrante atleta do centro de alto rendimento. Seria lá possível que um miúdo de 15 anos pudesse pôr em causa a prática de respeitados treinadores e a teoria que os livros apontavam?... Dispensou o apoio de qualquer treinador e passou a treinar-se, de acordo com a sua própria intuição. No entanto, os resultados não excresciam uma constante mediocridade. Até que encontrou, como verídica, a deficiência que alguns lhe lembravam: ele não poderia progredir, sem treinador. Aceitou então que Peter Lundgren lhe orientasse os treinos. Este nada lhe impôs, antes de o escutar. Como que utilizou o método hermenêutico, ouvindo Federer, interpretando as suas palavras. Na realidade, o seu pupilo detestava uma preparação física militar, impositiva, indiscutível. E de mútuo acordo iniciaram um treino inovador onde Fedrer colheu incontáveis benefícios. Em 1988, foi considerado unanimemente o melhor júnior do mundo; em 1999, de 302º passou a 64º lugar; e, em 2002, já era o sexto classificado. Marc Rosset, capitão da equipa nacional suiça da Taça Davis, que em Setembro disputará as semi-finais com a Austrália, não esconde o seu espanto: ?o que mais me impressiona é a sua força física, sabendo eu que ele não faz preparação física, segundo os moldes tradicionais. Agora, sim, ele tem pernas para exprimir todo o seu inigualável talento. Federer pode levar-nos a repensar o treino que se centra muito sobre os aspectos físicos e biológicos?. Mas há ainda outro ponto a realçar como ele o faz: ?O meu treinador procura, acima do mais, a minha estabilidade emocional. Esta é o que eu tenho de alcançar, antes de tudo. Um campeão é um homem. As vitórias não se conseguem só com um bom preparo físico, mas com um bom preparo humano. Compreendi, com novos métodos de treino, que as minhas deficiências não resultavam de má preparação física, mas de outro tipo de preparação, bem mais fundamental. Não sei se os meus métodos se podem aplicar a todos os atletas. O que eu sei é que é assim que posso ser campeão?. José Mourinho, o treinador do F.C.Porto afirmou outro tanto à revista Ideias e Negócios (Junho de 2003): ?Para haver sucesso numa equipa de futebol, ela tem de estar 100% preparada. E quando eu digo 100% não consigo dissociar aquilo que é físico daquilo que é técnico, daquilo que é psicológico. Para mim um jogador é um todo, tem características físicas e técnicas e psicológicas, que tenho de desenvolver como um todo. Não consigo separar. Eu não faço trabalho físico. E quando dizem que o Porto está muito bem preparado fisicamente refuto isso totalmente. O Porto utiliza uma metodologia que rompe com todos os conceitos tradicionais do treino analítico?. Federer e José Mourinho dão-nos a conhecer os erros de certos métodos de treino que, muito embora pareçam edifícios grandiosos, não têm alicerces actualizados. De facto tanto a educação física como a preparação física que nela se fundamentava têm morte anunciada. O atleta é um ser humano e a sua preparação há de ser física, biológica, ética, intelectual e política; há de ser um exercício de cidadania. A biologização exclusiva do treino desportivo é a maneira capciosa de adormecer os praticantes à recusa da sociedade injusta estabelecida. Que não se esqueçam disto os treinadores e os professores; que o saibam também os políticos que vêm falando em ?utopia democrática?, diante da crise do neo-liberalismo hodierno.
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