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O declínio do petróleo

A POPULAÇÃO MUNDIAL E A TAXA DE PRODUÇÃO DE PETRÓLEO CRESCERAM AMBAS SEIS VEZES NO CURSO DO SÉCULO XX (?) A NOVA INDÚSTRIA BENEFICIOU E ACUMULOU GRANDE INFLUÊNCIA ECONÓMICA E POLÍTICA.  GUERRAS COLONIAIS, "APOIOS" MILITARES E DIPLOMÁTICOS, EXPROPRIAÇÕES, CONCESSÕES, FACILIDADES FISCAIS, FORAM APLICADOS ONDE E COMO NECESSÁRIO E APROPRIADO.

O petróleo foi a principal fonte de energia primária no decurso do século XX. Foram inventadas tecnologias e sectores industriais (automóvel, aeronáutica, petroquímica) cresceram porque existiu a disponibilidade de extrair do subsolo esse fluido com elevado conteúdo energético, facilmente transportável e armazenável, destilável em produtos com propriedades e utilizações diferenciadas. Coincidência que não pode ser dissociada do processo económico de que o petróleo foi destacado protagonista, a população mundial e a taxa de produção de petróleo cresceram ambas seis vezes no curso desse século.
A indústria petrolífera desenvolveu-se nos EUA a partir do fim do século XIX por esse país ser, de entre os países tecnicamente mais desenvolvidos de então, aquele que possuía abundantes recursos de petróleo. A nova indústria beneficiou e acumulou grande influência económica e política. Guerras coloniais, ?apoios? militares e diplomáticos, expropriações, concessões, facilidades fiscais, foram aplicados onde e como necessário e apropriado.
O mundo contemporâneo depende do petróleo para muito diversificadas utilizações finais; os destilados do petróleo são combustíveis utilizados na produção directa de calor e indirecta de energia mecânica ou eléctrica, com diversos tipos de máquinas térmicas, fixas ou móveis; e são também matéria-prima das indústrias petroquímica e química, conduzindo ao fabricado de produtos sintéticos como adubos e fertilizantes, materiais plásticos, até produtos farmaceuticos; os resíduos da destilação são finalmente utilizados como asfalto. O constrangimento da disponibilidade de petróleo, a não ser antecipada e precavida, trará graves repercussões em virtualmente todos os sectores de actividade sócio-económica dos países industrializados.
A iminência do declínio do petróleo decorre de duas observações incontroversas: a descoberta das jazidas atingiu o seu máximo na década de 1960 e, desde 1980, a taxa de extracção excede sistematicamente o ritmo de novas descobertas. A finitude deste recurso natural e a iminência do declínio da taxa de produção, imposto por leis naturais, é encarada diversamente consoante o grau de informação, a formação técnica, a orientação política dos diferentes actores ou espectadores.
Sendo certo que mais cedo ou mais tarde esse declínio deverá verificar-se, na base do conhecimento presente das estimativas de reservas últimas mundiais (cujo montante varia com os autores mas cujo intervalo de incerteza se vem mantendo inalterado ao longo dos últimos 40 anos, atestando a sua robustez) a produção de petróleo (o convencional mais os restantes hidrocarbonetos líquidos) atingirá o ponto médio das reservas cerca de 2010; é um acontecimento essencialmente inultrapassável por factores económicos ou tecnológicos, pois que está condicionado pelas leis naturais da geologia e da física. Os factores económicos e tecnológicos poderão influir sim na subsequente taxa de exaustão (e portanto no ritmo da quebra da produção), na medida em que fizerem evoluir o consumo mundial de energia e o recurso a outras fontes de energia primária.
Todavia, a distribuição mundial muito desigual, quer das reservas de petróleo remanescente quer dos volumes de consumo, em época de capitalismo global, é um contexto geopolítico muito favorável ao conflito de guerra pelo saque desses recursos naturais. Independentemente desse quadro de potencial conflito, o declínio da disponibilidade real e definitiva de petróleo convencional (pelas suas excepcionais propriedades e pelo baixo custo da sua extracção) implicará seguramente um forte impacto na base económica do sistema social e político, mais directo e imediato nos sectores alimentar, transportes e comércio.
Não obstante a acumulação de evidências, as grandes empresas petrolíferas e os governos e blocos político-económicos não assumem esse cenário. Porém, cerca de metade do petróleo ainda disponível (as actuais reservas mais o pouco que estiver ainda por descobrir) será extraído e a quase totalidade das actuais reservas serão consumidas antes de 2025, supondo a taxa de crescimento histórico de 2% ao ano que a Agência Internacional de Energia previu em 1998. A limitação da capacidade de petróleo e o seu iminente declínio terão que ser assumidos claramente pelo poderes económicos e políticos para que uma solução sensata possa ser adoptada; manipular informação e ocultar a realidade não permite resolver problema algum. À imposição pela natureza de um declínio da taxa de produção, cujo valor actual é cerca de 2,5% ao ano, tem de corresponder a aceitação pela economia de uma igual taxa de redução de procura. A adopção clara e voluntária dessa redução, permitiria adequar a procura à decrescente capacidade de produção, renunciando à guerra de rapina e evitando a rotura abrupta de aprovisionamento e subsequente descalabro económico. Ser sensato é necessário para sobreviver.


  
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Edição:

N.º 127
Ano 12, Outubro 2003

Autoria:

Rui Namorado Rosa
Univ. de Évora
Rui Namorado Rosa
Univ. de Évora

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