Página  >  Edições  >  N.º 127  >  Mas eu quero ser professor!... - Desemprego docente e excesso de diplomados

Mas eu quero ser professor!... - Desemprego docente e excesso de diplomados

A COMPREENSÃO DO ALARMANTE DESEMPREGO ENTRE PROFESSORES, IMPLICA DIRECTAMENTE AS INSTITUIÇÕES DE FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES.

Todos os anos por esta altura assiste-se ao drama dos milhares de candidatos que não têm lugar na docência. Este ano foram quase 30000 e o número tem vindo a aumentar em percentagens crescentes. No entanto, nada tem sido feito para evitar o engrossar desta fileira de excluídos.
A questão demográfica e o excesso de diplomados são causas de fundo para esta situação. A primeira é consequência de complexos processos sociais a que a educação tem de se adaptar. A segunda, embora controlável, apresenta fortes resistências institucionais e corporativas.  Num plano intermédio, ao nível da instância política, falta o papel mediador e de controlo do governo, a quem competiria informar acerca das necessidades do sistema, definindo prioridades e apontando prospectivas. Pelo seu papel de decisor e porque permanece a ideia ? histórica e ideologicamente sustentada ? do Estado empregador, em situação de crise, o governo é o primeiro alvo das críticas e o principal responsável. Tirando a informação, aparentemente elementar, mas até então inexistente, acerca do elevado número (cerca de 330!) de licenciaturas para a docência (INAFOP 2000), as orientações neste domínio têm sido, no mínimo, vagas e contraditórias.
Não desejaria, no entanto, circunscrever esta questão à explicação imediata de que o grande responsável é o governo. A compreensão do alarmante desemprego entre professores, implica directamente as instituições de formação inicial de professores. Na verdade, o problema não começa à saída da faculdade com a falta de colocação para os novos diplomados!  Mesmo sem dados precisos, é sabido que o desemprego em alguma áreas docentes, não é um fenómeno recente. Em algumas, a fatalidade do desemprego coloca-se desde o momento de ingresso no curso. No entanto, estes sinais não foram significativamente apropriados pelas instituições de formação para contrariar a esta tendência. A autonomia do ensino superior supõe também a capacidade das instituições para identificar, de modo fundamentado, as necessidades da sociedade em que se insere e, consequentemente, a elas adequar a sua acção. Certamente que tal identificação não aconselharia a manutenção de cursos que desembocam no desemprego.
A manutenção de cursos sem saídas passa pelo modo perverso como têm sido financiados, baseado essencialmente no número de alunos na formação inicial. É uma questão de sobrevivência da instituição e, (porque não?) de manutenção do emprego dos professores, questões de carácter corporativo que não cabem neste texto.
O aumento do desemprego docente vai continuar. Prevê-se que dentro dos próximos 6 anos  haverá menos 55000 alunos nas escolas portuguesas. As instituições de formação terão de se adaptar a esta realidade, analisar tendências de excessos ou previsíveis faltas e, sobretudo, equacionarem a própria formação em diferentes moldes, revendo finalidades e processos. Com efeito, são cada vez mais evidentes sinais que apontam para a necessidade de cursos em bandas largas que, salvaguardando uma especificidade de formação,  abrangem o desenvolvimento de competências aplicáveis a diversos sectores de um grande domínio de intervenção. Nunca como agora a intervenção num sector específico ? seja a docência, num certo ano/turma/escola/comunidade, etc. ou outro ? pode ser bem realizada desconhecendo ou desvalorizando a realidade social alargado em que ocorre. O conhecimento e a reflexão acerca dessa realidade desafia e promove a flexibilidade e disposição dos futuros diplomados para a formação ao longo da vida e para eventuais intervenções noutros sectores para além da docência.  A profissionalização seria realizada em espaços sociais cada vez mais amplos e mutáveis incluindo a compreensão do complexo interactivo de variáveis. Esta compreensão constitui, cada vez mais, um elemento essencial de intervenções profissionais específicas e para a flexibilidade face às mutabilidades do mundo em que vivemos. Além disso, ajudaria a alargar perspectivas de  saídas profissionais, atenuando drama do desemprego docente.
Para além dos dramas envolvendo a falta de colocação de um número tão elevado de professores, emerge das cenas públicas em torno da fileira de desemprego docente uma imagem cada vez mais debilitada da profissão docente. Esta é talvez aquela em que é maior o fosso entre o discurso acerca da sua nobreza e importância social e os modos pouco dignificantes como é tratada em situações concretas. Esta contradição reforça-se, todos os anos, durante o processo de colocação de professores.  Os dramas e perturbações que arrasta  deixam cada vez mais fragilizada a representação social que se tem dos professores e o sentido de profissionalidade  docente.  O modo como é desenvolvido aquele processo e como é exposto pela comunicação social  aprofundam, na opinião pública, as contradições entre a nobre e indispensável função esperada dos professores, o investimento especializado nessa formação e a desvalorização humana e profissional que aquelas imagens veiculam.
Fica-nos a amarga sensação de que os professores constituem uma legião de reservistas com preparações dúbias a que se recorre quando forem ? se forem - necessários. A precaridade das colocações tem clara implicações negativas na representação social acerca da profissão docente. E, consequentemente, constitui um factor de desinvestimento profissional por parte dos professores não colocados ou em situação de emprego precário. Neste contexto, não é possível desenvolver e consolidar uma cultura profissional alicerçada na continuidade e na convicção de que a actual acção dos professores se projecta na sociedade que queremos no futuro.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 127
Ano 12, Outubro 2003

Autoria:

Carlos Cardoso
ESE de Lisboa
Carlos Cardoso
ESE de Lisboa

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo