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Morra a educação física - Viva a educação desportiva

(?) BASTA DE SOPA FRIA, IGUAL PARA TODOS E REPETIDAMENTE SERVIDA. OFEREÇAMOS O DOCE MAIS APETECIDO: A PRÁTICA EDUCATIVA DO DESPORTO, NO PLEMO RESPEITO PELAS DIFERENÇAS DE AMBOS OS SEXOS E PELA SEGMENTAÇÃO DE INTERESSES QUE EXISTEM NO MEIO ESCOLAR.

Joana (1) teve uma mão cheia de cincos mas, na Educação Física, o nível foi um três ?muito fraquinho?; Francisco precisou que outros professores votassem o nível de Educação Física para entrar no quadro de honra da escola; José obteve dois porque é um ?desajeitado, coitado!?; Teresa, idem, porque não ?não gosta? e conheço o caso da Luísa, estudante de nível cinco, de excelentes predicados nas atitudes e valores, esguia, flexível, de uma grande disponibilidade corporal, expoente no ballet mas, ironizo eu, certamente porque, em três meses de futebol, não conseguiu acertar com a baliza ou porque teve um teste fraco, também não foi além do três. Ao lado destes casos, entre muitos que me chegam ao conhecimento, há também o daquela turma que, recentemente, registou cerca de 80% de negativas. Ao fim e ao cabo, situações que dão para pensar sobre o fundamentalismo, dito pedagógico, que por aí anda, desvirtuador da vocação primeira daquela disciplina e provocador de um enorme rasto de frustração.
Ora, é por estas e múltiplas outras razões que, há muitos anos, defendo a morte da Educação Física e o nascimento da área curricular denominada por Educação Desportiva. Razão tem, pois, o meu Amigo Doutor Manuel Sérgio, ele, um filósofo, que melhor que ninguém neste país sabe interpretar e sintetizar as correntes filosóficas, sociais e o pensamento pedagógico ao longo dos tempos, ao assumir que ?(...) nem científica nem pedagogicamente existe qualquer educação de físicos (...) que a expressão Educação Física se acha incrustada  numa ambiência social onde o estudo desta matéria não é conhecido (...) e que a Educação Física deve morrer o mais rapidamente possível para surgir em seu lugar uma nova área científica que mereça dos homens de ciência credibilidade, respeito e admiração? (O Desporto Madeira, 27.06.03). Ainda a este propósito, convido-vos a ler o livro Da Educação Física ao Alto Rendimento, da Colecção Gestão do Desporto, editada por este semanário, que inclui um notável texto do Doutor Gustavo Pires. 
Trata-se, de facto, de uma luta contra um poderoso e acéfalo lóbi corporativista, ?obsoleto e medíocre?, entrincheirado nas universidades e em posições estratégicas de decisão política, que não consegue entender que as respostas encontradas nos anos 30 já não se adequam, por um lado, ao actual conhecimento científico, por outro, às expectativas que o desenvolvimento determinou. Daí que, não me espante nem me cause qualquer embaraço, que aqueles que consideram que a mudança de paradigma terá de ser operada, sejam visados com graves dislates que, penso eu, não são mais do que o estertor de quem perdeu todos os argumentos e naturalmente sente que os alunos, paulatinamente, os das universidades e outros de idades mais jovens, estão a lhes voltar as costas, por sentirem que há um mundo novo de possibilidades de prática que não se restringe ao espaço de uma Educação Física bafienta, repetitiva e sem futuro. Não compreendem, nem fazem um esforço por compreender, que a razão da existência de professores está determinada pela necessidade de educar através do desporto e que isso implica, necessariamente, a mudança organizacional dos estabelecimentos de ensino, a completa rotura com os actuais programas, melhor formação e a assunção de uma nova mentalidade pedagógica. Metaforicamente, basta de sopa fria, igual para todos e repetidamente servida. Ofereçamos o doce mais apetecido: a prática educativa do desporto, no pleno respeito pelas diferenças de ambos os sexos e pela segmentação de interesses que existem no meio escolar. Não está, portanto, em causa, beliscar a importância desta área nos diversos currículos. Pelo contrário, o que está em causa é, através da mudança, ir ao encontro dos jovens, formando-os com princípios e valores para a vida, possibilitando, inclusive, o inegável direito à excelência através do Desporto Escolar. A própria União Europeia já percebeu que a via portadora de futuro é esta, não sendo por acaso que 2004 constituirá o ?Ano Europeu da Educação pelo Desporto?.
Regresso ao primeiro parágrafo, apenas para destacar que um professor não se afirma no seu mister, pela via das notas ou níveis que atribui aos seus alunos. Afirma-se pelo estudo, pelo conhecimento, pela capacidade de resposta aos interesses dos educandos, pelas dinâmicas que é capaz de operar no espaço escolar e pelo gosto que desperta por uma prática desportiva regular e para a vida. Ao contrário de procurar a igualdade com as outras disciplinas, o professor de Educação Desportiva deve procurar a diferença. Simplesmente porque os graus académicos são iguais (Licenciatura, Mestrado e Doutoramento) mas a prática é substancialmente diferente. De resto, não há Jogos Olímpicos, Campeonatos do Mundo ou da Europa de Português, de Ciências ou de História. Mas eles existem no desporto, plenos de beleza estética, de festa, de superação individual e que impelem e influenciam uma prática generalizada e a qualquer nível. Sendo assim, enquanto uma bola saltitar frente aos olhos de um jovem, jamais precisarei de ?castigar? os meus alunos com sistemas retrógrados de avaliação, pelo facto da dita bola, volto a ironizar, por um desajeitado pontapé, não ter entrado na baliza, no quadro dos superiores objectivos definidos na complexa Unidade Didáctica. Pois bem, morra a Educação Física que hoje constitui uma monumental fraude e viva a Educação Desportiva Curricular.

1) Todos os nomes são fictícios

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 127
Ano 12, Outubro 2003

Autoria:

André Escórcio
Mestre em Gestão do Desporto. Professor do Ensino Secundário, Funchal
André Escórcio
Mestre em Gestão do Desporto. Professor do Ensino Secundário, Funchal

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