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Um pouco de estatística e abandono precoce

ABANDONO ESCOLAR

O ABANDONO PRECOCE E A FUGA À ESCOLA NÃO TERÃO NADA A VER COM O TIPO DE CULTURA QUE A ESCOLA IMPÕE À POPULAÇÃO RECÉM-CHEGADA?

Dizem as estatísticas mais recentes que cerca de  25% da população residente no continente português dos 18 aos 24 anos  não concluiu o 3º ciclo nem se encontrava a frequentar a escola. Por outro lado, perto de metade dos indivíduos dos 18 aos 24 anos (44%), residentes no continente português, não concluíram o ensino secundário, nem se encontravam a frequentar a escola. Estes dados adquirem maior  significado social e cultural, mas também maior importância no domínio das relações económicas e produtivas, se comparados com o que se passa ao nível dos nossos parceiros da Comunidade Europeia. Assim, para a faixa etária  dos 25-29 anos, a percentagem de indivíduos portugueses com o ensino secundário completo situa-se nos 42%, enquanto que a generalidade dos países da comunidade situa-se perto ou acima dos 60%, conforme informação da EUROSTAT para 1999.
A precária relação com a escola que estes dados traduzem relativamente à generalidade da nossa população, seja através do abandono precoce ao nível da escolaridade básica, seja  através da interrupção em pleno secundário não é, evidentemente, uma novidade no comportamento da sociedade portuguesa. Sempre fomos estatisticamente excessivos  na forma como tratámos (e tratamos) as nossas crianças, os nossos adolescentes e jovens, enquanto alunos. Lembro que até à década de 70 ? e mais concretamente até à véspera do 25 de Abril ? a repetência escolar situava-se entre os 30 e os 40% logo na primeira classe para se situar nos 25/30% na 4ª classe.
Esta ?relação de perdição? (no sentido mais primário da palavra) que a escola mantém com a sociedade portuguesa, agora deslocada para os ciclos mais tardios da escolaridade, torna-se tanto mais problemática e perturbadora quanto é certo que nunca, como agora, foi tão afirmativo o discurso sobre a imprescindibilidade da escola. Tudo se passa como se a escola representasse cada vez mais a solução para os problemas contemporâneos dos portugueses, contribuindo ao mesmo tempo esse reconhecimento para agudizar o nível de responsabilidades que os adultos esperam dos alunos. Do ponto de vista do sistema educativo e dos seus agentes, a lógica em que assenta a relação escolar, não obstante a exuberância da produção científica e teórica sempre crescente, adopta uma perspectiva simplista que é a se supor que os alunos têm uma apetência natural para se identificarem com os bens que a escola lhes propõe, tanto mais que esses bens representam o bem comum e lhes são graciosamente dispensados. Quando esta tese não funciona, as medidas que se adoptam para que ela funcione procuram as soluções de natureza pessoal e psicológica, isto é, soluções que supõem que os problemas estão no âmbito da identidade pessoal dos alunos, a qual será, então, assumida como objecto das celebradas ?nee? (necessidades educativas especiais) que transcendem, hoje, como se sabe, as situações patológicas para cobrirem tudo o que seja  disfunções de aprendizagem.
Esta psicologização da relação escolar, na verdade indispensável à administração da justiça escolar, tende necessariamente a reforçar-se à medida que sobe a heterogeneidade escolar, isto é, à medida  que a diferença e a desigualdade social e cultural entram na escola, sem que se admita como igualmente legítima a heterogeneidade do produto escolar. A flexibilização curricular e o recurso à pedagogia do projecto, por exemplo, em nada contrariaram, pelo contrário, a corrida aos exames nacionais e a soberania dos ?rankings? universais. A psicologização, porém, como base da estratégia escolar tem limites e os dados estatísticos aí estão para o demonstrar. Ou o abandono precoce e a fuga à escola não terão nada a ver com o tipo de cultura que a escola impõe à população recém-chegada?


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 124
Ano 12, Junho 2003

Autoria:

Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto
Manuel Matos
FPCE, Univ. do Porto

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