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"Pior do que as críticas boas, ou melhor do que as críticas más, é o desinteresse da crítica em relação ao meu trabalho"

Jorge Marmelo é um dos mais jovens autores portugueses. Nasceu no Porto em 1971 e é jornalista desde 1989.  Estreou-se nas letras em 1996 com o livro ?O homem que julgou morrer de amor/O casal virtual?.  Desde Julho de 2001, o seu nome consta do ?Dicionário de Personalidades Portuenses do Século XX?, da Porto Editora, sendo o mais jovem dos nomes biografados. Entrevistamo-lo a propósito do seu último livro ?Oito Cidades e uma Carta de Amor?, publicado recentemente pela editora Campo das Letras.

Desde quando escreves?

Bom, já escrevo desde a primeira classe? (risos) e cheguei a produzir alguns textos na adolescência, mas sem qualquer tipo de pretensão literária? Foi o exercício diário enquanto jornalista que me permitiu amadurecer a escrita e aventurar-me nela com mais confiança. Era um sonho de adolescente que nunca esperei concretizar até ao momento em que resolvi tentar de facto.

Ainda guardas alguns dos escritos desse período?

Creio que sim, algures numa gaveta?

Nunca pensaste em aproveitá-los para trabalhos mais recentes?

De vez em quando utilizo algumas ideias. O primeiro livro que tentei publicar, de contos, baseava-se em algumas das histórias que escrevi nessa altura. Mais recentemente, a Editora Asa convidou-me para participar numa colecção de origem brasileira, chamada ?Literatura ou Morte?, onde escritores vivos escrevem ficções em torno da morte de escritores já desaparecidos. A Asa convidou-me para fazer um livro em torno da(s) personalidade(s) de Fernando Pessoa e acabei por repescar algo que tinha escrito há mais de treze anos.

Sentiste com certeza o peso do livro publicado por António Tabucchi, Os Últimos Três Dias de Fernando Pessoa?

Essa foi uma das questões mais difíceis de resolver no meu trabalho. Logo à partida porque as referências a José Saramago e O Ano da Morte de Ricardo Reis, e António Tabucchi, com o livro que referiste, são praticamente inevitáveis - O Ano da Morte de Ricardo Reis é, aliás, o meu livro preferido do Saramago. De qualquer modo o desafio pareceu-me tão interessante que achei que não poderia recusá-lo com base nesse argumento.

Como é ser um jovem escritor em Portugal? Pode viver-se exclusivamente da escrita?

Penso que hoje é mais fácil publicar livros do que há alguns anos atrás. As editoras optaram por uma estratégia de lançar novos autores no mercado e aguardar pela reacção do público. Muitos jovens autores beneficiam dessa política e torna-se mesmo difícil acompanhar todos os nomes que vão saindo. Obviamente que não se é escritor pelo simples facto de se lançar um livro. Eu próprio não sei se o serei, porque não vivo exclusivamente da escrita. No entanto, há exemplos de quem tenha conseguido em pouco tempo afirmar-se no meio e passar a escrever a tempo inteiro, como o Pedro Rosa Mendes e o José Luís Peixoto, mas esses são casos excepcionais. O primeiro livro do Pedro Rosa Mendes, por exemplo, foi publicado em vinte países, o que faz com que ele já não esteja dependente do nosso mercado para sobreviver.

Mas afinal somos ou não um mercado de 200 milhões de leitores?

É preciso ver que os livros portugueses praticamente não chegam ao Brasil?

Porquê? As editoras portuguesas não apostam no mercado brasileiro?

Além de não apostarem, os livros pagam muitas taxas no transporte e noutros processos burocráticos... Ou se consegue que uma editora brasileira publique lá o livro ou torna-se difícil. Por vezes é mais fácil publicar em Espanha ou em França...

O Brasil tem alguma política proteccionista em relação a escritores portugueses?

Não, penso que é desinteresse. Eles têm um grande número de autores e provavelmente acharão o nosso mercado pouco interessante. O José Saramago é uma das excepções que confirma essa regra.

A crítica influencia a tua maneira de escrever?

Tenho recebido todo o tipo de críticas, mas pior do que as críticas boas, ou melhor do que as críticas más, é o desinteresse da crítica em relação ao meu trabalho. Já tenho nove livros publicados e começo a sentir que quando lanço um para o mercado é apenas mais um, por isso não vale a pena dar importância à crítica. De qualquer modo, do ponto de vista literário, a crítica não me influencia.

Ao longo da tua obra tens escrito essencialmente ficção. Nunca quiseste sair dessa linha e aventurar-te em outros estilos?

O meu primeiro livro, lançado há sete anos, incluía uma pequena peça de teatro que chegou a ser levada à cena. Depois disso já tive alguns convites para voltar a escrever para teatro, e mesmo para cinema, que aceitei mas nunca cheguei a concretizar. Não é uma linguagem com a qual me sinta perfeitamente à vontade? A ficção sai-me naturalmente, não preciso de estar preocupado com questões técnicas. Tudo isto não impede que um dia destes não decida concretizar esses convites

Ao contrário do que possa pensar quem está no papel de leitor, a actividade de um escritor faz-se também de um trabalho diário, de persistência?

Alguém referiu uma vez que a inspiração pode ir e vir, mas quando ela aparece é melhor que se esteja sentado a trabalhar e aproveitá-la? Ou seja, quanto mais tempo se dedicar à escrita maiores probabilidades haverá de a inspiração te apanhar num desses momentos.

Este último livro, Oito Cidades e uma Carta de Amor, surgiu a partir de uma viagem?

Não, surgiu a partir de um conjunto de fotografias tiradas em viagens que fui fazendo, tanto por motivos profissionais como por motivos pessoais. As fotografias acabaram por servir como que um bloco de notas para a escrita de um conjunto de oito ficções em volta das cidades nelas retratadas.
Comecei a escrever este livro por altura dos acontecimentos de Nova Iorque e ele acaba por abordar esse sentimento de incomodidade que actualmente perpassa o mundo, que teve ali um marco e continua a ter implicações no quotidiano, nomeadamente como argumento para a guerra no Iraque. Na altura, referi durante a apresentação do livro que a guerra não serviria para atenuar a instabilidade latente no mundo e creio que depois dela podemos continuar a afirmar a mesma ideia: esta guerra não serviu para que nos sintamos mais seguros e pode até ter um efeito contraproducente.
Apesar de não ser um livro explicitamente político, alguns textos têm uma certa conotação com acontecimentos políticos, tanto no conto sobre Nova Iorque, directamente relacionado com o 11 de Setembro, como no de Madrid, onde faço referência à ETA, ou no texto sobre Praga, onde estabeleço uma relação com o provável facto de os terroristas que perpretaram o ataque terem passado por ali ? na minha imaginação posso ter-me cruzado com aquelas pessoas pelas ruas de Praga? No fundo, é um livro que não abordando declaradamente esses sinais de insegurança acaba por ser atravessado por eles.

Tens uma afinidade bastante próxima com escritores de origem sul-americana e principalmente brasileira. Fascina-te a literatura daquele continente?

Não limitaria esse meu interesse aos escritores sul-americanos. Interessa-me toda a literatura de origem ibérica. É uma proximidade que provavelmente se deverá ao facto de a linguagem e as realidades me serem mais próximas. Tenho, evidentemente, interesse por escritores de outras línguas, mas estes cativam-me particularmente. Nesse sentido, identifico-me bastante com as "Correntes de Escritas" de raiz ibero-americana, que se realizam há já quatro anos na Póvoa do Varzim.
Há pouco quando me perguntaste porque razão os livros não chegam ao Brasil? eu acho que podem chegar ao Brasil e ao mercado de língua castelhana quanto mais não seja porque temos raízes muito próximas, e não faz sentido nenhum estarmos de costas voltadas. Sendo um país pequeno, temos toda a vantagem de voltarmos a relacionar-nos com esse mundo ibérico.

Manténs contactos regulares com esse universo de escritores? Há cerca de um ano e meio, por exemplo, apresentaste em Portugal a obra de uma jovem escritora brasileira, Patrícia Melo?

Sim, foi algo que foi surgindo naturalmente e eles sempre estiveram receptivos a essa ligação. A selecção da Patrícia Melo começou curiosamente através de uma notícia no jornal espanhol ?El Pais?, onde tive conhecimento de uma edição em castelhano de uma escritora brasileira, que por cá nunca ninguém tinha ouvido falar. E que demonstra bem como um livro brasileiro pode chegar mais facilmente ao mercado espanhol ou norte-americano do que a Portugal... Nessa altura arranjei um livro dela, escrevi sobre ele no Público e na revista Ler e, entretanto, surgiu a oportunidade de editar a obra dela na Campo das Letras. Desde então tenho mantido um contacto regular com ela bem como com outros escritores brasileiros. Apesar dos milhares de quilómetros que nos separam, muitas vezes é mais fácil mantermos contacto com eles do que com escritores portugueses, não sei bem porquê?

Achas que os escritores portugueses se fecham sobre si próprios?

Acho que os escritores portugueses têm pouca noção de grupo. Ainda na última edição das "Correntes de Escritas", antes de se ter iniciado a guerra no Iraque, aconteceu algo curioso e que nos devia fazer reflectir: apesar de se ter condenado muito a atitude dos Estados Unidos, acabaram por ser os escritores espanhóis a tomar a iniciativa de aprovar uma moção a condenar a guerra - talvez exactamente pelo facto de se relacionarem mais de perto uns com os outros?. Não há mal nenhum que eles tenham avançado com ela, mas torna-se ridículo se pensarmos que estávamos em Portugal e a maioria dos escritores presentes eram portugueses.

Que projectos tens em mãos?

Tenho o lançamento para breve do tal livro da colecção ?Literatura ou Morte?, e estou a preparar um outro que, embora não o deva exclusivamente a mim, porque tem origem numa história que a minha filha escreveu e que eu depois trabalhei, representa a minha primeira incursão no universo da literatura infantil. Depois estou ainda com dois ou três projectos a meio na área da ficção, que, no entanto, ainda não sei bem como irão terminar.
Apesar de considerar que tenho conseguido manter um nível regular de produção, ninguém consegue escrever diariamente com a mesma vontade. Confesso que nesta altura está a ser-me difícil escrever, mas daqui a algum tempo voltarei certamente a ter um novo folêgo.


  
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Edição:

N.º 123
Ano 12, Maio 2003

Autoria:

Jorge Marmelo
Escritor
Jorge Marmelo
Escritor

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