Conhecimento dos conteúdos a ensinar: que lugar na formação inicial de professores?
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- A questão do conhecimento dos conteúdos a ensinar, na formação inicial de professores, tem sido tema de conversas ? mas pouco debate ? quando se compara aquela formação nas universidades e nas escolas superiores de educação. O secular estatuto científico e universitário daqueles saberes é indiscutível e tem um discurso coerente próprio. Do lado da formação integrada tem faltado um discurso e evidências que tornem publicamente reconhecido o seu real valor. E, em particular, o lugar do conhecimento científico na teia integradora dessa formação.
- Ninguém coloca em questão a centralidade e a importância dos conhecimentos/conteúdos de ensino, na formação e no desempenho dos professores. Mas qual o impacto comparativo do desempenho de professores com diferentes formações na aprendizagem dos seus alunos? Quais os professores mais eficazes: os oriundos de formações iniciais integradas ou os detentores de formações científicas de base com etapas complementares de formação (na instituição ou em serviço) ou, ainda, com formas alternativas de certificação? Em Portugal, são praticamente inexistentes investigação e debate que permitam responder a estas questões. E, neste momento, parecem indispensáveis. Desde há duas décadas que se intensificou a confluência às escolas de professores oriundos de diferentes modelos de formação inicial e com configurações curriculares muito díspares, para além do fluxo de professores sem formação inicial. A crescente preocupação com o conhecimento dos professores é também consequência do impacte dos resultados de estudos internacionais de desempenho escolar, do movimento das provas de aferição e globais, dos rankings de escolas, da crescente mercantilização da educação escolar, etc.
- Os diferentes modos de inserir a formação científica na preparação dos professores têm lógicas e defensores bem caracterizados. Por um lado, os que defendem que o domínio seguro dos conhecimentos a ensinar aos alunos ? aliado ao gosto para o fazer - é, de longe, a componente determinante da eficácia do desempenho docente. Logo, é indispensável assegurar que o candidato a professor tenha um perfeito domínio dos conteúdos a ensinar. As competências educacionais são desenvolvidas, adicionalmente, na formação pedagógica complementar ou vão sendo adquiridas em serviço. Esta posição é muito comum nos sectores da opinião pública onde prevalece a representação do professor como aquele que sabe e que, sobretudo por isso, pode ensinar e espera-se que o faça. É isso que a generalidade das famílias das crianças/alunos espera. Mas esta é também a posição de muitos académicos universitários, dos defensores de formação inicial de professores bi-etápica e de processos alternativos de certificação docente.
No outro lado, na defesa de uma formação integrada, estão os que consideram que a qualidade do desempenho docentes assenta num conjunto complexo e integrado de competências que englobam, para além do domínio dos conteúdos a ensinar, a capacidade para pensar o processo de ensino-aprendizagem, o adequar à diversidade das situações e dos alunos, e a disposição para uma auto-formação ao longo da vida. Privilegiam a afirmação de uma profissionalidade docente estruturada na e a partir de uma unidade e coerência da formação inicial, feita de componentes integradas entre si.
- A realização desta formação confronta-se com dificuldades próprias sem paralelo na formação orientada para campos exclusivamente científicos. Desde logo, é forte a possibilidade de resistências internas à consolidação de uma lógica de projecto ? agregadora da diversidade de intervenientes e componentes de formação em direcção à mesma finalidade ? e da persistência de uma concepção essencialmente aditiva na elaboração dos currículos, com efeitos dispersivos na sua execução. Estes aspectos e outros que referi em texto anterior (Página, Junho 2002), aliados a uma excessiva ênfase na dimensão profissionalizante do curso, podem conduzir a um certo imperialismo da componente educacional, condicionando a realização da integração e o lugar dos conhecimentos na formação. Por isso, parece indispensável entender a componente educacional enquanto domínio de formação feita de fortes interactividades com todas as componentes e intervenientes na formação; com os conteúdos cujas aprendizagens facilita, com as respectivas metodologias específicas e práticas, na crescente diversidade dos contextos de ensino e dos sujeitos da aprendizagem. Por outro lado, no que se refere aos conhecimentos/conteúdos a ensinar, é imprescindível valorizar o potencial pedagógico que cada ciência encerra. Um bom domínio da respectiva área científica, dá aos diplomados maior espaço de escolha para ajustar os conteúdos e os processos de ensino aos alunos. Também os métodos próprios das diversas ciências são, em si próprios, processos de uso pedagógico. Cada vez mais, a necessidade de divulgar o saber científico, leva a procurar no contexto da própria ciência as melhores formas de o fazer (ex: os museus de ciência, de história natural, de antropologia, parques naturais, etc). E isto é pedagogia.
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Ficha do Artigo
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Edição:
Ano 12, Maio 2003
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Autoria:
ESE de Lisboa
ESE de Lisboa
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