? Os irmãos diferem consideravelmente uns dos outros, apesar de crescerem na «mesma» família. A família, durante muito tempo, foi considerada como um bloco monólito de experiências que seriam partilhadas de maneira idêntica por todos os seus membros. Hoje pensa-se o contrário: que «a família não é a mesma para cada um dos filhos».
Uma das constatações banais do quotidiano são as semelhanças mas também as diferenças existentes entre os membros de uma fratria. Os estudos não são unânimes mas, por exemplo, alguns autores encontraram correlações de .15 a .25 para os traços de personalidade, entre irmãos geneticamente aparentados e que viveram juntos durante os primeiros anos de vida; enquanto que, na psicopatologia (esquizofrenias, desordens neuróticas, alcoolismo, etc.), vários estudos referem que os riscos de morbilidade para os irmãos são, em média, abaixo dos 20%. O que parece provar que os irmãos são mais diferentes do que semelhantes, nos mais diversos aspectos. Parece, pois, que os irmãos diferem consideravelmente uns dos outros, apesar de crescerem na «mesma» família. A família, durante muito tempo, foi considerada como um bloco monólito de experiências que seriam partilhadas de maneira idêntica por todos os seus membros. Hoje pensa-se o contrário: que «a família não é a mesma para cada um dos filhos». Factores como as características parentais (sejam as atitudes educativas, a classe social, etc.) e o sistema escolar têm sido, tradicionalmente, considerados como exemplos de factores partilhados. Mas, analisando mais de perto a questão, sabe-se bem como os pais, por exemplo, se comportam diferentemente em relação a cada um dos filhos; e como, mesmo quando as suas atitudes são muito semelhantes relativamente a todos eles, elas são sempre percebidas diferentemente por cada um dos irmãos. Entre outras razões porque: 1) cada um dos filhos tem uma relação diferente com cada um dos pais; 2) quotidianamente, os acontecimentos familiares nunca têm exactamente a mesma leitura para os diversos protagonistas em jogo, criando, por isso, contextos diferentes para cada um deles (entre outras razões, os filhos têm idades/níveis de desenvolvimento diferentes e, por isso, interpretam diferentemente os comportamentos parentais: por exemplo, uma criança pequena pode interpretar a saída de casa do pai, após o divórcio, como uma consequência do seu próprio comportamento, enquanto que o irmão mais velho, um adolescente, já não incorre nesse «erro»). Pode dizer-se então que, fora alguns valores e mitos familiares, poucas coisas são inteiramente partilhadas pelos irmãos. Daí que se considere pouco relevante, para o desenvolvimento, o meio partilhado (e, sobretudo, para o desenvolvimento diferenciado dos irmãos: o meio partilhado, porque é partilhado, induz semelhanças e não diferenças). E se tenha dado ênfase ao meio não-partilhado, isto é, aos factores ambientais que agem de maneira diferente sobre cada uma das crianças de uma «mesma» família. No meio não-partilhado estará, então, a resposta para muitas das diferenças entre os irmãos. Ele pode definir-se como sendo constituído por todas as experiências específicas individuais que cada um tem no seio da família e fora dela. O tratamento parental diferenciado aparece como o factor que mais potencia (e é potenciado por) essas diferenças entre os irmãos, embora a fratria «per se» desempenhe, também, um papel importante, assim como as experiências não-partilhadas que se exercem fora do círculo familiar e aquelas que são devidas ao acaso. Nos factores relativos à fratria, a ordem de nascimento é um poderoso aspecto diferenciador entre os irmãos (sobretudo pelos papéis que são inerentes a cada posição fraternal e pelas consequentes expectativas parentais), mas há que ter em conta, também, todos os outros descritores da constelação fraternal: o sexo dos irmãos, o espaçamento entre eles e o tamanho da fratria. Ou seja: esta nova concepção de família como meio não-partilhado implica que, mais do que analisar a sua influência numa base familiar, convém colocá-la à escala do indivíduo. Isto é, se quisermos perceber as influências do meio no comportamento, temos de estudar mais do que uma criança por família. Investigar as influências do meio «dentro» da família é mais profícuo do que investigá-las «entre» famílias. Por outras palavras: comparar uma criança que experimentou menos amor com o seu irmão é mais importante que comparar essa criança com outra que vive na rua, não só para desvendarmos os segredos das influências do meio no desenvolvimento (normal e anormal) dos irmãos mas também de todas as crianças. E deste modo talvez possamos percebermos melhor as origens de grande parte das diferenças existentes entre os indivíduos. Ou não fosse a família (tenha ela a configuração que tiver) o primeiro e mais importante meio onde nos desenvolvemos.
Nota: Este artigo é um extracto, ligeiramente alterado, do livro da autora recentemente publicado: «Semelhanças e diferenças entre irmãos», Lisboa: CLIMEPSI Editores, 2002.
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