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Aprender para esquecer

Em 1964, em França, um grupo de investigadores fez uma experiência simples mas curiosa. Escolheu um grupo de 30 pessoas com algumas características  comuns. Todas tinham realizado os exames finais do liceu, vinte anos antes, em 1944. Outra característica comum era terem tido classificações superiores, nas várias disciplinas, a 15 valores, ou seja, eram para a época, alunos de excelência. Todos tinham ingressado no ensino superior e concluído licenciaturas. Eram pessoas profissionalmente bem sucedidas.
Sem aviso prévio, os investigadores, pediram aos elementos deste grupo que repetissem as mesmas provas de exame que tinham realizado 20 anos antes. Os resultados foram desastrosos. O melhor resultado foi obtido por um aluno, na disciplina de filosofia, que em 1944 tinha sido classificado com 17 valores e, vinte anos depois, obteve 4,5 valores. Os outros resultados foram todos inferiores aos 4,5. Houve vários zeros, mas a maioria ficou-se entre o 1,5 e o 3.
Li esta notícia num artigo publicado numa revista francesa julgo que em 1967. Já não tenho o artigo mas apenas a memória dele. Sei que do trabalho resultavam várias conclusões, mas não as guardo com rigor. Lembrei-me desta experiência por ter encontrado um dia destes, no meio de um velho manual, a minha prova de exame de história do 7º ano de liceu. Julgo que se fosse convidado a repetir a prova, teria classificação inferior à antiga, apesar de ser professor da disciplina.
Julgo que a desculpa, dada pela generalidade dos antigos alunos sujeitos à experiência, foi a de que já se tinham esquecido do que antes tinham sabido. Ora nós esquecemos o que não usamos nem praticamos. E não usamos o que não tem serventia para a nossa vida pessoal, social, cultural e profissional. Quer dizer, a maior parte dos conhecimentos aprendidos, não têm qualquer utilidade pessoal, social ou profissional. Nem são necessários para a continuação da nossa aprendizagem. Não têm o que se designa por valor de uso. Se não fosse assim, não esquecíamos.
O que aconteceria se nós submetêssemos a maioria dos professores, por exemplo do ensino superior, às provas de acesso que tiveram de fazer para ingressar na Universidade? Obteriam melhores resultados do que os cidadãos da experiência?
Deixo aqui, aos colegas investigadores, que averiguem esta questão. Precisamos de repensar o que os nossos alunos aprendem, como aprendem e para que aprendem. Se o objectivo é obter conhecimentos em concreto, precisamos de saber quais os conhecimentos que podem e os que não podem perdurar. Se a aprendizagem é destinada ao treino e desenvolvimento de competências,  precisamos de saber quais as práticas e os conhecimentos que potenciam esse treino e o desenvolvimento das competências que visamos. Em qualquer caso, é urgente repensar os conteúdos do que ensinamos e do que julgamos aprender. É necessário repensar o novo valor de uso da educação.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 122
Ano 12, Abril 2003

Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

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