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Sinais do tempo presente
Não é fácil a um professor ou a um estudante desviarem-se da "metralha" ideológica que sobre eles desferem, todos os dias e a todas as horas, as várias "bocas" da informação em sentido amplo: editoras, jornais, televisões, rádios e, numa associação de todos os meios, elevados ao expoente máximo, a Internet;  menos ainda, protegerem-se dos "estilhaços" que surgem, incontroláveis, de todas as direcções.
Sujeitos a uma "guerra" insidiosa que tudo invade, será, pois, uma tarefa árdua e constante a de encontrar um "abrigo", para o que a escola em geral tão-pouco os preparou, por ausência de uma disciplina básica tipo "Civilização e Humanismo",   que ajudaria  a interiorizar  a noção de que o maior  perigo vem da banalização dos actos que  atentam contra a dignidade do Homem,  e a reconhecer como primeiro meio de defesa, qual antídoto ou antivírus, o desenvolvimento da consciência crítica, para detecção das ameaças e, por extensão,  do Inimigo entrincheirado.
Entende-se que falamos de "guerras" de valores, em que o Inimigo é tudo quanto afecta o Homem no seu melhor - a Razão - e subverte, degrada e desvirtua  o que dela se espera para dar sentido um superior à  vida, "atacando" com duas baterias,   - a alienação e o obscurantismo - que reduzem a consciência a um estado de passividade e amorfismo - "deixa andar, e amanhã se verá."
Antigamente, na velha Grécia dos filósofos, então chamados "médicos da alma", ainda se podiam formar "academias" onde educadores e educandos reflectiam sobre os problemas da existência  e conseguiam, pela análise das manifestações da Natureza e do comportamento dos humanos, - observando, comparando e deduzindo - longe dos "ruídos" do mundo exterior, estabelecer  princípios gerais que seriam "verdades" até prova em contrário. Hoje, já não há "tertúlias" nem "cafés culturais"...
E todas as questões inerentes à condição humana foram discutidas no exercício tranquilo das "academias", dos "liceus", no "ágora", as mais complexas convocando as élites, em espaços restritos,  as mais simples atraindo os curiosos indiferenciados às praças públicas. Tudo foi dito, tudo foi pensado. E institucionalizadas a Lógica, a Ética e a Psicologia como significantes  da vontade de saber e do conhecimento empírico, os sábios só deixaram para futuras respostas os enigmas que escapavam à Razão, reservando-lhes o último patamar do inacabado edifício do  Conhecimento, a que chamaram Metafísica, - mas afixando  à entrada um  dístico: "O Homem é a medida de todas as coisas."
A abrangência e profundidade das primeiras grandes reflexões filosóficas, inspiradas necessariamente pelo reconhecimento de que era indispensável dar um sentido à Vida,  tanto resistiram às erosões das "pós-modernidades" interiorizadas em todas as transições  dos ciclos civilizacionais, que, nos nossos dias, até  filósofos pragmáticos como os americanos George Santayana e Will Durant podem dizer: "Quanto mais meditamos nestes assuntos, mais retornamos a Platão. Prova de que não necessitamos de novas filosofias; necessitamos apenas de coragem para pôr em prática as mais velhas e melhores." - levando a reflexão crítica à Escola empenhada na  "iluminação" da sociedade,  para a ajudar a discernir o que há de estimável  entre o "velho" Homero  e o "moderno" Paulo Coelho, entre os "abrigos" fornecidos pelos "clássicos" e a "metralha" das novi-ideologias do "light", do "soft", do "kitsch", com que a Razão é hoje bombardeada logo através dos meios de muita  Informação  acéfala e psitacista, - sem autonomia, sentido ou  norte - fazendo uma "guerra" contra si própria, enquanto imaginada sobrevivente no  mundo de  depois de amanhã.
Sinais do tempo presente, em que se cotam e vendem ao preço do "mercado" os valores perenes  do Humanismo, como a Paz, a Justiça e a Liberdade.

  
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Edição:

N.º 121
Ano 12, Março 2003

Autoria:

Leonel Cosme
Escritor - Jornalista, Porto
Leonel Cosme
Escritor - Jornalista, Porto

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