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Avaliar-e bem- é preciso!?

A nossa cultura tem sido avessa à avaliação. Falamos da avaliação enquanto recolha e análise sistemática de dados acerca de processos e desempenhos para a realização de objectivos, de modo a permitir a tomada de decisões para melhorar aqueles processos e para atingir os objectivos.

Diz o senso comum que os portugueses são muito opinativos. Emitem opiniões acerca de tudo. «Eu penso, eu julgo, parece-me, a meu ver», etc, são frequentes inícios de conversas. Este texto não escapa a essa tendência. É uma opinião. Temos muito em conta a nossa experiência de vida e, em função disso, julgamos e avaliamos as situações e as pessoas. E há também a intuição que ajuda muito nestas coisas. Naturalmente que, cada um, julga à sua maneira. Mas, nesse julgamento, parece predominar a tendência para vislumbrar a qualidade e o mérito das «coisas», a olho. E esta atitude estende-se e prevalece em contextos e processos formais. Os projectos são orientados para objectivos muito concretos ou muito vagos, depois logo se vê, em retrospectiva, como correu e quais foram os produtos para depois dizer que correu mal ou correu bem, que foi interessante, que foi «giro». Mesmo em projectos em que é esperado que a avaliação constitua um elemento central, ela não passa, muitas vezes, de um aditamento a ter em conta «a posteriori» ou que é, mesmo, dispensável.
Tudo isto para dizer que a nossa cultura tem sido avessa à avaliação. Falamos, claro, da avaliação enquanto recolha e análise sistemática de dados acerca de processos e desempenhos para a realização de objectivos, de modo a permitir a tomada de decisões para melhorar aqueles processos e para atingir os objectivos. Temos em relação à avaliação uma atitude relutante e negativa. Vemo-la enquanto processos punitivos que passam pela exposição das nossas fragilidades e pela eventualidade de decisões penalizadoras. É uma atitude com raízes na moral judaica-cristã, reforçada por uma concepção de avaliação salazarista. As iniciativas e os debates, desenvolvidos durante a última década, para consolidar nas instituições uma cultura de avaliação, têm tido pouco impacto. As políticas e as estratégias para o fazer são, frequentemente, submergidos ou contornadas por aquelas resistências históricas, ideológicas e culturais em que se incluem aspectos pessoais, corporativos, sindicais, etc. Criam-se expectativas, mobilizam-se recursos e pessoas para lançar projectos que depois são interrompidos sem deles, por via da avaliação, se terem retirado conclusões que fundamentem decisões (inclusivé para interromper o processo) ou sustentem novas iniciativas - projectos e percursos. A fragilidade ou ausência de uma cultura de avaliação, nas diversas estruturas da sociedade portuguesa, cria um clima de descontinuidades com impacte em diversos níveis. Para além de impedir a consolidação de políticas e de processos, dificulta a afirmação e o reconhecimento técnico e científico de domínios de intervenção socialmente úteis.
Quando a avaliação ? sistemática, participada e continuada - não é um elemento claramente consignado na preparação e desenvolvimento de um projecto, tendem a dispersarem-se os seus objectivos e a desenvolverem-se interesses e prioridades deslocadas do próprio projecto. E o vazio da avaliação permite todos os discursos e justificações; o terreno fica livre para interesses pessoais e corporativos que dificilmente podem ser colocados em questão se a avaliação não ocupar o lugar que deve ter na condução dos processos.
Há indicadores que levam a crer que a avaliação institucional externa das instituições do ensino superior ocorre, ainda, bastante à margem das pessoas. Passa pelo preenchimento pontual de uns formulários e alguns encontros. É, assim, entendida enquanto um processo burocrático pontual. Tem um período de realização e uma data de entrega dos dados recolhidos. Não parece, ainda, afirmar-se enquanto processo participado e continuado. É, provavelmente, um estádio necessário. A assunção, a nível interno, de atitudes, processos e dispositivos contínuos de acompanhamento e monitorização, parece ser a condição e a etapa seguinte indispensável.
A avaliação, com todos os processos que inclui ? acompanhamento, monitorização, etc ? é condição indispensável para orientar a realização de um projecto num percurso para a qualidade. Permite melhorá-lo e ajustá-lo em função do seu desenvolvimento e manter coesos os seus elementos e intervenientes em função dos objectivos que procura realizar. Uma condição essencial implícita à realização de um projecto: ele é feito de diversos elementos e intervenientes em que se incluem pessoas e essas, naquela circunstância, estão ao serviço do projecto. E a qualidade de cada um promove-se com a qualidade dos projectos em que participa.


  
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Edição:

N.º 121
Ano 12, Março 2003

Autoria:

Carlos Cardoso
ESE de Lisboa
Carlos Cardoso
ESE de Lisboa

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