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Direito à Indignação - O que falta no colégio D. Diogo de Sousa para receber o meu filho?

Para com as pessoas portadoras de deficiência tem, toda a humanidade, uma dívida impagável de séculos obscuros e tortuosos.  Do apedrejamento até à morte em praça pública  e ao abandono nas florestas, tudo foi permitido e legítimo. ?O cego, o coxo, o deficiente mental? constituíam pela sua diferença uma provocação com direito à morte na fogueira da inquisição sob suspeita de bruxaria e pactos com o diabo.
No entanto, o tempo mostrou que a diferença é a única fonte de crescimento para cada um de nós. O grande desafio da humanidade será compreender, como Pierre Levy, que o ?outro?, seja quem for, sabe coisas que eu não sei, constituindo, por isso, uma fonte inesgotável de sabedoria. As pessoas com deficiência já mostraram que são tão ou mais capazes de ter uma vida autónoma e feliz, como qualquer um de nós, que choramos porque está frio e temos saudades da chuva quando o sol arde.
Curiosamente, muitos anos depois de aprovadas em 1993 as ?Normas sobre Igualdade de Oportunidades para Pessoas com Deficiência? alguém, no colégio D. Diogo de Sousa, com responsabilidades pedagógicas, disse na minha cara, na do meu marido e da minha cunhada: -?O seu filho é deficiente e eu não aceito deficientes?.
No jornal fez questão de frisar que ?todos já sabem como o colégio funciona e nem sequer os tentam inscrever?.
Hoje o problema identificado passou a ser outro. Fala-se na falta de condições para receber uma criança com Trissomia 21. Porque será?
Mas, afinal o que falta no Colégio D. Diogo de Sousa para receber o meu filho? Tem espaço interior e exterior de qualidade, lecciona todas as valências de ensino, tem um corpo docente estável, oferece actividades múltiplas de enriquecimento curricular e há até quem fale numa piscina para o próximo ano lectivo. É caso para dizer que todas as outras escolas terão que ser encerradas por falta de condições. Relativamente a docentes de apoio educativo restará apenas solicitá-lo à Equipa de Coordenação dos Apoios Educativos de Braga que ainda há três anos lá colocou um. Porque motivo se fala agora num contrato de associação, se o mesmo apenas prevê a gratuitidade do ensino privado em zonas carecidas de escolas públicas? Esta é mais uma falsa questão. Não pretendi, nem pretendo, que o meu filho frequente o colégio gratuitamente. Além disso, há outros colégios na cidade de Braga e em todo o país, sem contrato de associação, onde estão crianças com deficiência e onde são colocados professores de apoio educativo. Porque razão seria o D. Diogo de Sousa uma excepção?
Custa-me muito acreditar que serei a única mãe a não ter direito tal como prevê a Lei nº 9/97 de 19 de Março e 65/79 de 4 de Outubro a não poder escolher a escola que quero para o meu filho.
Na comunicação social, nos Congressos e Seminários deste país e do mundo, a todas as horas, se discute a escola multicultural e democrática. No entanto, para quem nunca ouviu falar de escola inclusiva e respeito pela diferença passo a citar Ana Maria Bérnard da Costa: ?A educação inclusiva, ou seja, o direito de todas as crianças, independente dos problemas ou deficiências que possuam frequentarem as escolas da sua área ? as mesmas escolas para onde iriam se não tivessem qualquer problema ou deficiência ? e o consequente direito de viverem na sua família, de participarem da sua comunidade, de conviverem com os seus vizinhos, é, antes de mais uma questão de direitos humanos. Decorre directamente da primeira frase da Declaração Universal dos Direitos do Homem onde se lê: -«Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos»?.
Depois de tudo, não será caso para questionar: - Quem me perguntou se tinha condições para, no dia 25 de Abril de 2000 ser mãe de uma criança diferente? Quem me ensinou a amá-lo e a tratá-lo como igual? Pois, há questões para as quais nos escapam as respostas. É por isso que me apetece terminar com uma pergunta de José Torentino de Mendonça dirigida  a quem nunca se questionou sobre o respeito: - ?A que distância deixaste o coração??


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 120
Ano 12, Fevereiro 2003

Autoria:

Ângela Leite
Educadora de Infância, Mãe do Duarte
Ângela Leite
Educadora de Infância, Mãe do Duarte

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