Página  >  Edições  >  N.º 120  >  Gestão Democrática: perspectivas que se abrem, dilemas que continuam

Gestão Democrática: perspectivas que se abrem, dilemas que continuam

A vitória de Luiz Inácio Lula da Silva em 27 de outubro de 2002, com 52 milhões de votos, para a presidência da República do Brasil e a ascensão do PT, com uma expressiva bancada de parlamentares ao Congresso Nacional, constituem os acontecimentos mais importantes da história recente, para a consolidação da democracia política no Brasil e na América Latina.

?A nossa vitória, disse Lula no discurso do parlatório, não foi o resultado apenas de uma campanha que começou em junho do ano passado e terminou dia 27 de outubro. Antes de mim, companheiros e companheiras lutaram. Antes do PT, companheiros e companheiras morreram neste país lutando por conquistar a democracia e as liberdades.[...] Eu não sou o resultado de uma eleição. Eu sou o resultado de uma história. Eu estou concretizando o sonho de gerações e gerações que, antes de mim tentaram e não conseguiram?.
Convido o leitor a fazer uma breve reflexão sobre o significado da vitória da democracia política de Lula, procurando descobrir as perspectivas que se abrem para a democracia participativa no Brasil, e continuar atento aos dilemas de uma sociedade capitalista que persistem no cenário da globalização neoliberal.
Emocionados ainda com as imagens da posse de Lula, transmitidas por todas as televisões, e embalados todos os dias pelas manchetes de jornais, não tivemos tempo para digerir todas as perspectivas políticas, sociais, econômicas, ideológicas e culturais que poderão advir da eleição de um trabalhador com o perfil de Lula, para a presidência da república. De acordo com a sua biógrafa, a cientista política Denise Paraná, Lula aprendeu a dar um salto da cultura da pobreza para a cultura da transformação e a acreditar profundamente na democracia como possibilidade de transformar a sociedade.  
Na minha opinião, esta vitória abre três perspectivas básicas. Primeira, um governo voltado para os direitos e os interesses dos trabalhadores e classes populares. Segunda, melhoria da qualidade dos serviços públicos. Terceira, uma economia que cumpra seus deveres sociais e promova o desenvolvimento do Brasil e da América Latina.
A democracia política não se transforma em democracia participativa num passe de mágica, mas é um processo político, lento, complexo em permanente construção. Marilena Chaui (1) nos lembra que ?...A democracia não é algo que foi inventado certa vez. É reinvenção contínua da política?. A participação de todos os setores da sociedade é uma condição fundamental para a transformação da democracia política em democracia participativa.
Os meus estudos sobre gestão democrática me permitem relacionar o exercício da democracia política na escola como o primeiro passo para a construção da democracia participativa. As escolas públicas que aderiram ao movimento da gestão democrática estão conseguindo dar um salto da cultura da pobreza para a cultura da transformação. Seus dirigentes abandonaram a burocracia e adotaram o diálogo e a participação como seus caminhos. Entre elas, duas se destacam, a primeira na cidade do Rio de Janeiro ? Escola Aracy Muniz Freire e a segunda na cidade de Duque de Caxias (RJ) ? Escola Barro Branco.
Na primeira, professores, funcionários e alunos estão produzindo textos sobre o cotidiano escolar e suas vidas. Nesta escola, dirigentes e dirigidos formam um coletivo, cujas decisões são tomadas em conjunto, com participação de todos os segmentos. Não são os conteúdos que constituem a principal preocupação, mas a formação política e cultural. Os alunos são interessados nas aulas, porque conhecem e gostam de suas professoras. A comunidade encontra sempre a porta aberta. O centro de estudos é o espaço onde todos têm assento. 
Na segunda, a escola pública municipal Barro Branco, da cidade de Duque de Caxias no Estado do Rio de Janeiro, constatei a formação de dirigentes entre os alunos da quarta série. Durante a campanha eleitoral, de junho a outubro de 2002, os alunos foram convidados a responder à pergunta: ?Se você fosse presidente, o que faria?? Suas respostas foram colocadas abaixo de suas fotografias nas paredes da sala. Os mesmos alunos conversaram comigo durante a visita à sua sala de aula, sobre as conseqüências sociais da ALCA e das reformas das leis trabalhistas.
A democracia política não elimina os dilemas de sociedade capitalista, principalmente, hoje, no cenário da globalização neoliberal, a crise das relações entre os Estados ricos e pobres. Os efeitos desta crise são as guerras, a fome instalada em certas regiões do planeta, o desemprego estrutural e os novos tipos de trabalho escravo. Estes são macro dilemas, que provocam micro dilemas permanentes na vida cotidiana. Convivemos com inúmeros dilemas ? salários de fome, pobreza, doenças, estresse. Não é por acaso que estamos às vésperas do Fórum Social Mundial e do Fórum Econômico Mundial. O primeiro discute a democracia entre os povos e o segundo os interesses econômicos em disputa. 
É como nos ensinou Marx (2); ?Os homens fazem a sua história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, ligadas e transmitidas pelo passado?.

1) Chaui, Marilena. In Lefort, Claude. A invenção democrática: os limites do totalitarismo. S. Paulo: Brasiliense, 1981.
2) Marx, Karl. O 18 Brumário de Luiz Bonaparte. In Obras Escolhidas, São Paulo, Alfa-Ômega, vol. 1, ncd.

  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 120
Ano 12, Fevereiro 2003

Autoria:

João Baptista Bastos
Univ. Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro, Brasi
João Baptista Bastos
Univ. Federal Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro, Brasi

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo