De volta ao Rio, penso na minha experiência em Coimbra. Oito meses nos quais percebi e aprendi um pouco mais sobre o ?velho continente?, suas formas de criar e de preservar, e suas formas de destruir e de negar. O último ?grande? evento que presenciei, o acidente na costa da Galícia, escandalizou-me, tanto pelas conseqüências ambientais, como pela atitude das autoridades, mais preocupadas com suas próprias posições de força do que com as populações ou a gravidade do acidente. Descubro a mesma preocupação na criação e manutenção das posições de força na história da ?grandiosidade europeia?. De passagem pela Normandia, estive em Bayeux, uma pequena cidade cujos prédios impecavelmente preservados e as ruas enfeitadas servem de moldura à grande atracção do lugar, sua tapeçaria. Um bordado sobre tela de linho que, em 70 metros, conta a saga de ?Guilherme, o conquistador? na Inglaterra. Tecida/bordada em princípios do século XII, a peça ainda está quase perfeita e sua beleza é extraordinária. Exposta no Centro Guilherme o Conquistador, recebe os visitantes maravilhados, expondo-lhes a grandiosidade da história do país e preserva, com isso, a obra e a auto-estima dos habitantes locais, a posição de força francesa perante os ?outros?, ingleses ou turistas, conquistados, pelo poder da força ou da beleza e de sua preservação. Em Lisboa, o grandioso e belo mapa mundi que cobre o chão em frente à Torre dos Descobrimentos, com sua estética primorosa, mostra aos visitantes, Portugal, a grande potência dos séculos XV e XVI, ?descobrindo? lugares onde já viviam populações que, sem força para resistir às velas e armas portuguesas, descobriram-se subalternas. A posição de força do país perante os ?selvagens? permitiu-lhe destruir o que não interessava manter, preservar a ideia das grandes descobertas e, com isso, ampliar essa mesma força. No Rio de Janeiro, as marcas dessa contraditória acção de criação/destruição, preservação/aniquilamento se espalham pelos principais pontos da cidade, em prédios monumentais e em formas culturais que resultaram desse processo, no qual a resistência dos subalternizados desempenhou um papel fundamental. Das Igrejas e Mosteiros aos ?nossos? museus, as culturas portuguesa e francesa, se erguem e se exibem nos lembrando que nossa história foi traçada pela força de uma europeidade marcada na nossa paisagem urbana e na nossa identidade. Depois de visitar a ?sede? de nossa erudição, as marcas parecem-me ainda mais evidentes. Por outro lado, essa mesma europeidade se encontra com aqueles que, não tendo sido ?preservados?, insistem em estar aqui. No seio da contradição entre a riqueza branca e europeia e os seus ?outros? existem muitos Rios de Janeiro. Na nossa sociabilidade alegre e informal, no colorido das nossas gentes, está o modo próprio de estar no mundo do carioca. Junto com a estética privilegiada da paisagem, essa alegria quase natural e as contradições sociais fazem do Rio de Janeiro um lugar de força única, uma Cidade Maravilhosa.
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