Uma série de episódios expressos por decisões políticas de frágil sustentação e por vagas declarações de membros do Governo, têm conduzido, em poucos meses, a formação inicial de professores em Portugal a um estado de indefinição e, mais do que isso, perda de referências de qualidade. Senão vejamos.
1. A extinção do INAFOP e a interrupção (ou fim?) do processo de acreditação bloquearam o caminho já percorrido no sentido da afirmação: de uma filosofia de fundo para a formação de professores e educadores em Portugal, dum conjunto coerente de padrões de qualidade para essa formação e das linhas estruturantes de uma profissionalidade docente. Não esquecer que, à data da decisão do governo, o processo de acreditação já estava no terreno depois de um longo percurso de preparação, fundamentação e organização. Trabalho que foi desenvolvido, de modo participado, continuado e sistemático, desde 1997 com a criação do Grupo de Missão: Acreditação da Formação de Professores e, depois, debatido, aprofundado e consolidado pelo INAFOP. É minha convicção que, nas condições políticas actuais, é um processo irrepetível. Mas, mesmo que dele mais nada reste, certamente que a ele ficarão vinculados: um quadro filosófico e conceptual dinâmico para a formação inicial de professores; um conjunto consistente de padrões de qualidade para essa formação; e a identificação de um corpo de competências fundamentais para a acção educativa e para a consolidação de uma profissionalidade docente. No seu conjunto, constituíram referências para debates nas instituições formadoras com impacte na qualidade dos currículos, na cultura dessas instituições e na consolidação de um sentido de projecto na formação inicial de professores. As decisões políticas em relação à acreditação, aliadas à prevista extinção de cursos, ao futuro incerto de instituições de formação públicas (ESEs), enfim, à falta de confiança na tutela, têm vindo a diluir o debate em torno da qualidade da formação que o processo de acreditação tinha iniciado. Mesmo que o processo venha a ser retomado, certamente noutros moldes e com outros protagonistas, o capital anteriormente acumulado não será, seguramente, recuperado.
2. A formação de professores é, ainda, fragilizada por outras vias. Uma delas é, por exemplo, a ênfase política colocada no facto, embora real, de haver excesso de cursos de formação inicial de professores. Outra, são as declarações do Ministro da Ciência e Ensino Superior (entrevista ao Diário de Notícias), acerca da formação de professores. Com elas, deixou ficar a ideia de que é uma formação académica (questão essencial que merece ser discutida) e que deverá (por isso?), ser exclusiva do subsistema universitário. Mais não disse, deixando um estado de dúvida que fere a qualidade da formação de professores e a estabilidade das instituições. Como é usual dizer-se, as declarações valem o que valem... mas há declarações que valem mais do que outras. Convém considerar que um político não gera estas dúvidas inocentemente! Ou estarei enganado Senhor Ministro?
3. As consequências imediatas são óbvias. E são-no particularmente para as escolas superiores de educação (ESEs), enquanto unidades do ensino superior politécnico. Como, até ao momento, não foram dadas orientações mais específicas, cresce o clima de indefinição quanto ao seu futuro e, a curto prazo, ao planeamento das actividades para o próximo ano lectivo. Apesar deste vazio, as ESEs estão activas. Preparam projectos e actividades tendo em conta: indicadores (vagos e contraditórios) do que politicamente se pretende para este domínio de formação; áreas de intervenção social para as quais as ESEs poderão formar profissionais; domínios de formação técnico - profissional de nível 4; a necessidade de complementos de formação e a formação contínua, etc. Mas tudo sem uma linha de rumo traçada pela instância política.
4. Neste clima de indefinições no domínio da formação inicial, não são indicadas alternativas. Nem para a formação contínua que, enquanto domínio de formação coerente e sistemático, não existe. A que existe tem sido ocasional, dispersa, vaga e descomprometida. E, francamente, não é de crer que o investimento futuro se oriente para a alteração desse estado das coisas. A nascente dos fundos comunitários está a secar.
Parece óbvio que o que vai acontecendo em relação à formaçao de professores, traduz uma nítida secundarização deste domínio de intervenção social e uma implícita desistência face aos desafios que as novas configurações da sociedade e da escola colocam à educação.
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