Objecto de políticas contraditórias, só muito raramente e de forma intermitente conhecendo algum protagonismo, a educação de adultos representa hoje o sector mais crítico e mais débil, por referência a um sistema público de educação ao longo da vida em Portugal.
Contraditoriamente, perante a moda dos discursos em torno da ?formação? e da ?aprendizagem? ao longo da vida, cuja realização não retórica jamais será possível à margem de uma política e de um sistema públicos de educação de adultos, tal política vem sendo sucessivamente adiada e o sector tem oscilado entre uma situação de quase extinção política e administrativa e uma revalorização programática mais anunciada do que realizada, para de novo ser remetida a um estatuto marginal, sem objectivos e sem lugar na nova orgânica do Ministério da Educação (ME), sitiada e ameaçada pelo paradigma triunfante da ?formação vocacional?. Votada ao abandono e politicamente silenciada, a educação de adultos havia já sofrido um processo de fragmentação e dissolução ao longo da década compreendida entre 1985 e 1995, face ao protagonismo concedido ao ?ensino recorrente? e a novas orientações vocacionalistas, de produção de ?capital humano? e de mão de obra qualificada, através da criação de um sistema paralelo de formação profissional. Como se as categorias de ?formação? e de ?aprendizagem? ao longo da vida, subitamente descobertas, substituíssem ou dispensassem o conceito e as práticas de educação de adultos. O ciclo seguinte (1996-2002) foi marcado por uma forte revalorização programática que retirou a educação de adultos de uma situação crítica, remobilizando vontades e recursos e, especialmente, suscitando grandes expectativas. O seu ?relançamento? foi anunciado, tal como a concepção de uma política e a criação de ?um serviço de concepção, planeamento e coordenação? dessa política. Através do Decreto-Lei n.º 387/99, de 28 de Setembro, o Governo criava a Agência Nacional de Educação e Formação de Adultos (ANEFA), ?com a natureza de instituto público? e em regime de instalação (do qual, lamentavelmente, nunca chegaria a ser resgatada). Não obstante as virtualidade evidenciadas, a ANEFA viu o seu campo de intervenção bastante reduzido e a sua capacidade de acção muito limitada, especialmente em termos de estruturas e recursos próprios a nível local. Ao contrário dos projectos e estudos que antecederam a sua criação, bem como das promessas de ?relançamento? e de ?desenvolvimento? de uma política pública, a ANEFA não só não foi assumida como o ?serviço de concepção, planeamento e coordenação? que fora anunciado, mas também não contemplou a maior parte das áreas antes reconhecidas como prioritárias. Os riscos de subordinação a lógicas vocacionalistas foram insistentemente apontados por alguns observadores e, de certa forma, acabam de sair confirmados quando o XV Governo Constitucional extingue a ANEFA e remete as suas atribuições para um novo departamento, não por acaso designado ?direcção-geral de formação vocacional? (Decreto-Lei n.º 208/2002, de 17 de Outubro). Segundo este diploma, o resultado da ?integração entre educação e formação?, a cargo do ME, passa a chamar-se ?formação vocacional?, visando a ?qualificação dos recursos humanos? e a resposta às ?necessidades da competitividade da economia global?. Claramente reduzida e instrumentalizada, a educação de adultos voltará, plausivelmente, a eclipsar-se; em processo de transmutação para ?formação de adultos? (vocacional, profissional, contínua?), dificilmente resistirá, no interior do ME, às lógicas dos outros domínios: ?a aprendizagem, a qualificação inicial, a oferta formativa de educação e formação [sic], entre a qual a orientada para os jovens de 15 aos 18 anos, o 10º ano profissionalizante, a especialização tecnológica [?], o ensino das escolas profissionais [?]? (Art. 16º, 2). Não é só o conceito de educação que acaba por ser fortemente restringido, é a população adulta que perde especificidade por referência à ?qualificação inicial de jovens? e vê a oferta educativa pública subordinada ao ?sistema de formação vocacional?. Como se o ?atraso português? pudesse ser resolvido predominantemente através da ?formação vocacional?, ilusão e erro insistentemente alimentados sem qualquer confirmação teórica ou empírica. O que não poderemos nunca vir a dispensar é o desenvolvimento de políticas e acções de longo prazo com vista a alcançar uma educação humanista, democrática e cidadã ao alcance da totalidade dos cidadãos adultos a quem, historicamente, aquela educação foi maioritariamente negada.
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