Página  >  Edições  >  N.º 119  >  Onde está a mancha?

Onde está a mancha?

Não nos acontece nada de animador. Corre-nos tudo mal. Não temos sorte nenhuma. O país está uma lástima. A economia não cresce. As receitas fiscais diminuem. O Governo arreia no povo a torto e a direito. Os nossos Governantes enervam-se. O povo, de tristeza, esmorece. Andamos todos abatidos.
Nem o desastre do navio «Prestige» quis nada connosco. Mal se soube do desastre do petroleiro, os nossos governantes e jornalistas, alvoroçaram-se. Finalmente parecia vir aí um acontecimento capaz de promover actos heróicos, brilho político, apoio popular e subida das audiências nos órgãos de comunicação social. Mas o navio pifou longe da nossa costa. Apesar da maldade dos espanhóis, a maré negra foi dar à costa na Galiza.
Foi grande a frustração. O Ministro da Defesa, a precisar de dar brilho à imagem, baça pela moderna, enxotou o Ministro do Ambiente, vestiu a fatiota de ministro, afivelou a máscara de governante, e preparou-se para comandar as operações. Em vão, a mancha negra esgueirou-se para a Galiza.
Nesses dias de ansiedade, convocaram-se autarcas, bombeiros, a guarda marítima, a Cruz Vermelha, várias ONG?s, para reuniões em hoteis à beira-mar.  As organizações de defesa dos vários animais, entraram em stress. Preparou-se tudo para, finalmente, testar a capacidade de tratar das avesinhas e de outros animaisinhos, vítimas da catástrofe. Uma desilusão, para terem umas poucas de aves para tratar, e assim aparecer na televisão, foi preciso ir buscar pássaros sinistrados à Galiza.
Repito. Andamos sem sorte. Não nos acontece nada de desafiante. Não acontece nada que permita aos nossos governantes, mostrarem o seu brilhantismo. Mas o nosso Ministro da Defesa  não podia perder esta oportunidade, de dar algum brilho à sua imagem. Por isso decidiu «se a mancha não vem cá, vamos nós lá».
Depois de manobras e segredos, alugou-se e aprontou-se um navio, capaz de recolher a mancha. O Ministro da Defesa ? insisto, não devia ser o do ambiente? ? determinou que o barco largasse de madrugada. O show mediático teria assim mais efeito. Firme. Empertigado. Olhar em alvo. Perfilado à frente dos seus homens de mão, às cinco e trinta da madrugada, o ministro ordenou a largada. O navio ia pescar a mancha. Enfrentando com determinação  a brisa da madrugada, solenemente, Paulo Portas, declarou então à comunicação social: «o que se apanhar lá, não precisará de ser apanhado cá». Grande visão de jogo! Grande estratego! Grande timoneiro! Entendam todos e ninguém esqueça: «o que se apanhar lá, não precisará de ser apanhado cá»!
Mais tarde, soube-se, que algumas horas após a partida do navio, não apareciam as manchas. Grande aflição, o navio navegava, a tripulação e o ministro anseava e não  se encontrava a mancha. Aparentemente, a malandra, pela força do vento e das correntes, tinha escapado para Norte. Mas, o intrépido ministro não desistiu. Se não estão cá procurem-nas lá. O navio foi lá e veio para cá, e, entre água do mar e fuelóleo, lá trouxe uns quantos litros. Pouco, mas o suficiente para sua excelência  lavar um pouco a imagem.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 119
Ano 12, Janeiro 2003

Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo