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Sobre o acesso ao ensino superior

Quando se fala de acesso ao Ensino Superior (ES), imediatamente surge uma dicotomia na abordagem possível a este assunto:
Uma perspectiva por parte do Estado, tanto pelo lado da Tutela, como pelo lado das instituições de ensino; uma segunda abordagem, a que é feita pelos cidadãos que querem frequentá-lo.

Apesar da imposição constitucional que determina o direito dos cidadãos à educação e o consequente dever do estado de proporcionar as condições necessárias para que todo e qualquer cidadão que o deseje, possa aceder a todos os níveis de ensino ? verificados que estejam os pressupostos de sucesso curricular ? o que tem sido regra nos últimos anos é a criação de uma série de obstáculos à execução desse direito. O «numerus clausus», a propina, a deficiente  acção social escolar (ASE). Estes três factores são obstáculos ao livre acesso ao ES, constituindo também os dois últimos entraves à frequência do ES. O Estado procura limitar o acesso ao ES, simplesmente porque não consegue (ou não quer) criar as condições necessárias  para que o preceito da Lei Fundamental possa ser respeitado na sua plenitude. As instituições de ES público não têm tido capacidade para receber todos os que desejam ingressar no ES. Isto deve-se exclusivamente à falta de investimento público neste sector. Não havendo infra-estruturas e outras condições físicas e humanas suficientes, com a imposição de uma taxa de frequência inconstitucional e com uma ASE precária, tem de haver restrições das entradas. Essa crónica falta de investimento conduziu, porém, não apenas à insuficiência de condições quantitativas para o ingresso, como também resultou na grave degradação das condições qualitativas do ES. Essa degradação, por sua vez, culminou este ano lectivo no facto de ter havido mais oferta que procura. Ou seja, foi pelo pior motivo que houve vagas no ES público que ficaram por preencher: os cursos oferecidos não têm qualidade ou têm uma importância residual no plano do mercado de trabalho e no das aspirações profissionais que cada cidadão tem quando ingressa num dado curso. Mas este estado de coisas é sem dúvida imputável ao Estado, que nunca olhou a Educação com a importância que ela tem, a longo prazo, para a requalificação de um país cientifica, técnica e culturalmente atrasado.
Pelo lado dos cidadãos, existe neste momento, um desequilíbrio sério entre as aspirações pessoais e profissionais e aquilo que é oferecido. Como explicar as centenas de pessoas que não conseguem entrar em cursos tão necessários ao nosso país como a Medicina e simultaneamente as centenas que entram em cursos como Direito, ou ainda as centenas  de vagas que não são preenchidas em cursos com nomes obscuros? Como explicar que os cidadãos mais desfavorecidos recorrentemente desistam dos seus cursos ou nem sequer pensem em se candidatarem, porque a ASE não faz face às suas necessidades enquanto estudantes ? para além da propina, que incompreensivelmente também é paga pelos estudantes bolseiros?
Porque cercear desde logo sonhos, ambições e sobretudo potenciais capacidades intelectuais em nome de prioridades económicas?
A abolição total do «numerus clausus» não é defensável ? deve haver um patamar mínimo de exigência científica quando se trata de aceder a um nível superior de ensino. De mais a mais, o país não precisa apenas de doutores e engenheiros, necessita também de quadros médios. O que é de criticar são os outros factores de dissuasão já referidos, sendo de recusar o principio da propina e de exigir um verdadeiro financiamento para a ASE. Isto cabe, todavia, a um Governo que realmente aplique nas suas políticas uma visão humanista e não apenas economicista, de médio e longo prazo, em ordem a ter homens e mulheres devidamente capazes de melhorar significativamente a qualidade de vida em Portugal.


  
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Edição:

N.º 119
Ano 12, Janeiro 2003

Autoria:

Nuno Mendes
Presidente da Federação Académica do Porto
Nuno Mendes
Presidente da Federação Académica do Porto

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