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A formação de professores e o seu desemprego

Duas questões: o desemprego na colocação de docentes, mormente nos ensinos básico e secundário, vem-se acentuando nos últimos anos. Sobre isto, há duas questões a colocar:

  1. haverá (e porquê) desemprego real de docentes?

  2. como fazer para formar melhores docentes, aproveitando a capacidade de formação já existente?

Quanto à primeira questão, a consideração da existência de ?excesso de docentes? parte de decisões políticas na respectiva colocação, bem como na organização da rede escolar. Mas parece-me absurdo, num país com o grau de iliteracia de Portugal ? vide inquérito PISA... mesmo com todas as reservas sobre a leitura que é feita dos resultados! ?, e em que só a região de Lisboa e Vale do Tejo atinge níveis médios europeus... que ?sobrem? professores! Não creio que seja uma fatalidade, devida a uma espécie de distribuição assimétrica da ?inteligência?, que as regiões interiores apresentem piores resultados... É que é aí que há menos professores qualificados, estabilizados nos seus lugares (e não há qualquer incentivo à fixação nessas zonas... não só de docentes, como de outras profissões, sobretudo intelectuais!), e o interior continua a representar apenas o ?calvário? que os professores mais jovens têm de atravessar, em condições precárias, longe da família, até que, anos mais tarde, se aproximem do litoral.
Também me parece ilógico considerar, por exemplo, que há excesso de professores de Matemática ? a pior disciplina, a nível de insucesso escolar ? e se mantenham turmas de cerca de 30 alunos, além de se extinguirem grande parte dos apoios mais individualizados para a melhoria do sucesso (seja o estudo acompanhado, ou o apoio a alunos com especiais carências).
Propostas como a do Ministério, de fecho puro e simples de cursos com menos de 10 alunos ? e muitos serão os de ensino nestas condições -, sem planeamento prévio, podem conduzir à situação de carência, anos depois, que a Inglaterra enfrenta agora, fruto de uma política semelhante da Srª. Thatcher. Além disso, uma política de liquidação dos cursos de formação de professores (só ao nível do sector público) deixa este sector aberto apenas às instituições privadas... que continuarão a formar, para o ensino público (de largo o maior empregador do sector) quantos docentes quiserem... com uma qualidade que nunca foi aferida por comparação com os provenientes das instituições públicas. É a privatização galopante deste sector! E não seria a altura, no momento em que se pretende avançar para uma escolaridade obrigatória de 12 anos, para preparar esta reforma com antecedência, aproveitando para melhorar o nível de alguns professores já formados?

Quanto à segunda questão, não duvido que a capacidade de formação instalada (pública e privada), se for usada exclusivamente na formação inicial de docentes, se revela excessiva, a curto prazo. Será altura de agir a dois níveis: ii) seleccionar em cada curso (organizados com 2 anos de tronco comum com as formações científicas) os alunos mais vocacionados para o ensino, com um número de vagas adequadamente planeado, para lhes ser dispensado um complemento de formação (científica, pedagógica e profissional), após estes 2 anos.
Há ainda desemprego no ensino superior porque o estrangulamento financeiro que o governo de direita está a impor às instituições as leva a não renovarem os contratos mais precários... ? e 70% dos docentes deste sector têm contratos precários! ? despedindo docentes com vários anos de experiência (que chegam a atingir os 20 anos) sem qualquer subsídio de desemprego.
E há também o enorme desperdício que representa, após uma correcta política de investimento no aumento intensivo do número de jovens doutorados (que quadruplicaram em 12 anos, tendo duplicado nos últimos 5 anos!), o facto de não lhes serem proporcionadas oportunidades ao nível da especialização que obtiveram, obrigando-os a socorrerem-se de sucessivas bolsas de pós-doutoramento, sem reais contratos de trabalho.
Claro que tudo isto é consistente com o facto de serem os sectores da Educação, Ciência e Cultura, ou seja, os que implicam investimento na qualificação pessoal e patrimonial, os sectores que tiveram os cortes no Orçamento de Estado. Afinal será que, num país em que 98% das empresas funciona sem qualquer quadro com formação universitária ou politécnica, já se considera que ?há doutores a mais? ?


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 119
Ano 12, Janeiro 2003

Autoria:

Manuel Pereira dos Santos
Professor Catedrático da Univ. de Évora
Manuel Pereira dos Santos
Professor Catedrático da Univ. de Évora

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