Quando a Organização Internacional do Comércio (OIC) se reunir em Março de 2003 para consolidar a agenda para a progressiva liberalização do comércio na área dos serviços, tornar-se-á então evidente o facto de o sector educacional não estar consciente do conteúdo dessa agenda e acerca daquilo que está em causa.
Todos os sectores da educação ? desde o jardim-escola até à torre de marfim - são agora vistos como áreas de potencial investimento, comércio ou lucro. A dramática ?reconfiguração? da educação, até hoje um bem amplamente público e não mercadorizado, está agora sob a mira de forças do mercado privadas encabeçadas por Estados nacionais agressivos que vêm todas as áreas dos serviços, incluindo a educação, como as suas vantagens competitivas e a base da economia do conhecimento. Como é que nesta era de interconexões intensivas e extensivas, que ostensivamente caracterizam aquilo a que se chama globalização, tal coisa, desta magnitude e relevância, pôde ter acontecido diante de nós e nós tivéssemos permanecido de olhos intensamente fechados? Antes de tentar adiantar algumas possíveis explicações para este estado de coisas, permita-se-me que exponha de uma forma mais clara a natureza e a dimensão das actividades da OIC relacionadas com a educação. Nos termos do Acordo Geral do Comércio de Serviços (AGCS) que surgiu na sequência da criação OIC em 1995, os Estados-membros (actualmente 140) devem comprometer-se no sentido de uma progressiva liberalização do sector dos serviços. Para estar protegido deste trâmite regulatório do Acordo, um serviço tem de monstrar que é um monopólio público sem qualquer actividade privada ou de tipo de mercado no sector. Dados os cortes no financiamento em muitos sistemas educativos nas duas últimas décadas, a pressão no sentido de aumentar o nível de financiamento e provisão privados, assim como no sentido de gerar eficiência no sistema através da criação de quase-mercados, muitos países viram que era muito difícil argumentar que os seus sectores educativos eram completamente monopólios públicos. Tal tem como consequência o colocar os sistemas educativos públicos exactamente no quadro e no âmbito dos serviços que podem ser comercializados. Três outros aspectos do enquadramento regulatório da OIC também se aplicam ao AGCS e à educação; (i) «favorecimento nacional», (ii) «tratamento nacional» e (iii) «enquadramento da disputa». A ideia de favorecimento nacional significa essencialmente que o melhor tratamento dado a «qualquer» fornecedor de serviços estrangeiro deve ser dado a «todos» os fornecedores de serviços estrangeiros. Tal tem como efeito a consolidação de qualquer comercialização, privatização ou quaisquer outras medidas de abertura de mercado que envolvam fornecedores de serviços estrangeiros. Em segundo lugar, as regras do tratamento nacional exigem que os membros ampliem aos serviços e fornecedores estrangeiros o melhor tratamento que é dado internamente. Por outras palavras, esta não discriminação na provisão exige que todas as vantagens dadas a um serviço nacional ou a um fornecedor nacional devem ser também dadas a um serviço ou a fornecedor estrangeiros. Na prática isto significaria que vantagens como o financiamento estatal às escolas ?públicas? ou a atribuição de subsídios para o governo participar nos custos da educação universitária teriam de ser disponibilizados também para fornecedores de serviços estrangeiros nos mesmos termos que para os nacionais. Em terceiro lugar, qualquer desacordo sobre a aplicação das regras tem de ser estabelecido através de um processo de enquadramento da disputa. Numa conferência recente sobre o AGCS nos Estados Unidos, patrocinada pela OCDE, em Junho passado, um participante colocou timidamente a questão: porquê tanto barulho acerca disto? Talvez se possa responder a esta com outro conjunto de perguntas. Para começar, porque é que aqueles países e regiões que estão a promover agressivamente o AGCS e a educação, especificamente, os EUA, O Canadá e a UE, querem que os outros países ofereçam os seus sectores educativos, mas são relutantes em oferecer os seus? Uma resposta poderá ser que o comércio dos serviços educacionais é muito lucrativo, pelo menos a julgar pela experiência neozelandesa e australiana. Na Nova Zelândia a educação arrecada mais para o governo do que a internacionalmente competitiva indústria do vinho. A relutância em envolver os seus próprios sectores educativos está claramente ligada a questões à volta da gestão da sua política interna no que diz respeito ao sector da educação. Trata-se também de influenciar o acordo no sentido de favorecer os seus próprios interesses em vez de jogar o jogo com as mesmas regras. Uma outra questão diz respeito ao papel da UE, como é possível que a UE possa não só comprometer-se em rondas de negociação, mas também ser um signatário único dos processos do AGCS, estando em vigor ainda o princípio da subsidariedade? E, porque é que muitos dos países menos desenvolvidos foram excluídos da famosa Sala Verde das negociações em Genebra quando para eles estava tanta coisa em jogo? Finalmente, porque é que o sector da educação tem estado tão espectacularmente silencioso sobre estas questões? A resposta a esta última pergunta pode ser, pelo menos em parte, explicada por dois factos. Primeiro, as negociações tiveram lugar em departamentos de comércio e não nos departamentos ligados à educação. Segundo, a criação de um conjunto de regras a este nível global ocorreu quase fora da vista, longe das preocupações nacionais e locais. De facto, como observaram alguns comentadores, a globalização é tanto um produto da descontextualização dos dispositivos existentes dos seus contextos nacionais como um ?re-escalonamento? destes para cima, no sentido de serem cobertos por um novo enquadramento regulatório que favorece o capital global e os seus estados cortesãos. Se os educadores têm de dizer alguma coisa sobre a configuração do nosso futuro, será então importante que eles aprendam a olhar para além dos espaços com que estão familiarizados e envolver-se no debate público sobre estas questões cruciais.
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