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Ensino e mentalidade

Talvez a Europa já tenha compreendido o calcanhar de Aquiles deste país à beira-mar plantado: uma mentalidadezinha amorfa e ávida de resultados rápidos, não tendo em conta por estultícia ou mera ignorância a efemeridade dos mesmos.

Um ensino essencialmente direccionado para a aquisição e avaliação de conhecimentos, está adequado a uma sociedade primacialmente competitiva. Como se referiu com pertinência neste jornal, há que assumir sem ambiguidades as opções que se tomam e suportar as responsabilidades que delas decorrem. Uma Escola que privilegia a competição terá que se orientar, exclusivamente, por critérios que visem a preparação dos alunos para exames finais ou de ciclo. Nesse caso, estaremos perante uma Escola discricionária, selectiva e excluindo os menos capazes. Ignorando, obviamente, a subjectividade inerente à avaliação das capacidades, onde interagem múltiplas variáveis a ultrapassar a mera faculdade intelectual (esta já por si muito subjectiva), para abranger factores sociais, económicos, culturais, humanos, estes últimos particularmente vulneráveis ao carácter contingente e sempre volúvel da natureza dos homens, neste caso, dos jovens.
Um ensino cuja finalidade seja preparar doutores e engenheiros, técnicos de segunda e operários, ocupando cada um o seu lugar, ?arrumando-os? sócio-profissionalmente, esquecendo a componente formativa ao nível da aprendizagem da cidadania e do conhecimento de si próprio como indivíduo livre e criador, constitui um ensino intelectualmente imbecil e humanamente improfícuo, mas de resultados bem mais fáceis de alcançar.
Um ensino desprovido de humanidade, bem à medida do 24 de Abril de 1974, (o mesmo é dizer, bem à medida deste governo), de efeitos visíveis a curto prazo e positivos na lógica de uma sociedade consumista, redutora, massificada e impessoal.
A médio e longo prazos, naturalmente, os resultados serão muito diferentes, gerando as mesmas consequências (mais graves por acumulação) que neste preciso momento se notam, quando está em jogo a plena inserção e convivência no âmbito da União Europeia, coexistência cada vez mais difícil de acertar o passo pela distância que nos separa dos restantes países europeus, ao nível da mentalidade e da formação cívica dos cidadãos. Com óbvias repercussões nos aspectos económicos e sociais.
Talvez a Europa já tenha compreendido o calcanhar de Aquiles deste país à beira-mar plantado: uma mentalidadezinha amorfa e ávida de resultados rápidos, não tendo em conta por estultícia ou mera ignorância a efemeridade dos mesmos; uma mentalidade bafienta, esquecendo o homem na sua plenitude e os esforços e recursos necessários a ser investidos na área da Educação, de modo a formar cidadãos capazes de exercer a sua cidadania em pé de igualdade com os outros povos da Europa mais evoluída. Um investimento caro e de efeitos visíveis só a longo prazo. Sem qualquer proveito em termos eleitorais. Não será certamente este governo a dar o passo necessário para colmatar as inúmeras deficiências decorrentes desta mentalidade hermética, desprovida de perspectiva, e que constitui a grande fatalidade da nossa História.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 118
Ano 11, Dezembro 2002

Autoria:

Paulo Frederico Ferreira Gonçalves
Professor do 2º ciclo na Escola Básica S. Torcato - Guimarães
Paulo Frederico Ferreira Gonçalves
Professor do 2º ciclo na Escola Básica S. Torcato - Guimarães

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