Página  >  Edições  >  N.º 118  >  Os criados

Os criados
Em todos os tempos e lugares as classes dominantes tiveram criados. Mesmo considerando só o chamado mundo ocidental, por cá os dependentes tiveram várias nomes. Escravos, servos, pajens, vassalos, criados, empregados, são designações que representam épocas.
Estes dependentes tiveram sempre como função importante a defesa dos interesses e bom nome dos seus amos e senhores. As classes dominantes puderam assim viver e fruir a vida com tranquilidade e sem grandes incómodos. Tinham quem afanosamente lhes defendesse os interesses.
A sociedade dos nossos dias é mais complexa do que outras do passado. Mas nela permanecem traços que caracterizam os fenómenos de longa duração da História. Também agora as classes dominantes têm os seus criados, os seus servos, os seus servidores, os aguerridos defensores dos seus interesses. Acontece é que a criadagem dos nossos dias é mais especializada. Distribui-se por áreas como as da economia, da filosofia, do direito, da política, da sociologia ou do jornalismo. Um dos traços que nos permite identificá-los é agirem, com grande entusiasmo e empenho emocional, como papagaios e pombos-correio das ideologias que suportam as classes dominantes.
Os criados têm uma espécie de necessidade compulsiva em defender os interesses e a imagem dos senhores. Normalmente pensam que ao fazê-lo se confundem com eles. Por cá existe uma criadagem extensa. A maior parte dela elegeu a comunicação social como lugar privilegiado de intervenção.  Bush não precisa de se defender nem de enaltecer qualidades que não tem. Ele tem pelo mundo fora milhares de servos dispostos a bater-se por ele todos os dias. Os donos e controladores da finança nacional e internacional não precisam de se preocupar em defender a sua imagem e os seus interesses. Eles têm um exército de servos aguerridos que empenhada e apaixonadamente defendem as lógicas sociais que os favorecem e lhes interessam.
Uma parte substancial dos chamados analistas políticos não passam de servos dos poderes estabelecidos. Directores de jornais e de outros órgãos de comunicação social, jornalistas vários e comentadores de turno, são fieis criados e aguerridos defensores dos seus senhores. Não têm um pingo de senso crítico e fazem da causa dos amos a sua causa.
Hoje os criados da nossa desclassificada classe dominante defendem a inevitabilidade do novo código de trabalho e o equilíbrio do déficit pela via do saque aos trabalhadores. Bagão Félix é um símbolo desta criadagem fiel, atenta e veneranda. José Manuel Fernandes e quejandos, noutro campo, não lhe ficam atrás.
Uma diferença fundamental entre a antiga e a nova criadagem, é que a antiga sabia diferenciar-se dos seus senhores. A nova criadagem vive a ilusão de fazer parte da classe dominante pela qual morre de paixão. Fazem lembrar os engraxadores de calçado que aspiram ter o estatuto dos donos dos sapatos que lustram.

  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 118
Ano 11, Dezembro 2002

Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo