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Novas formas de regulação do ensino superior

Foi recentemente aprovada, na Assembleia da República, a Proposta de Lei do Regime Jurídico do Desenvolvimento e Qualidade do Ensino Superior (?) De certa forma, esta lei parece traduzir o que alguns autores, ao analisarem as reformas educativas dos países do centro nos anos 80 e 90, designaram também por ?paradoxo do Estado neoliberal?, ou seja, uma intensificação da intervenção estatal na educação associada a uma crescente mercantilização dos sistemas educativos.

Por toda a Europa ocorreram importantes reformas no ensino superior durante as décadas de oitenta e noventa, associadas a uma redefinição do papel do Estado. Vários autores, ao analisarem a evolução da relação Estado/ensino superior, salientam uma certa convergência nas políticas de ensino superior conduzindo ao desenvolvimento de um modelo híbrido de regulação do ensino, combinando o mercado com o Estado, assumindo este a forma de Estado supervisor ou avaliador.
Nos países caracterizados por um modelo de controle estatal é conferida uma crescente importância à auto-regulação institucional e à constituição de órgãos intermediários, com maior ou menor dependência governamental, bem como às forças de mercado. O Estado supervisor desenvolve estratégias de controlo à distância ou de controlo remoto, através de mecanismos e procedimentos de negociação numa lógica de contratualização, articulando o desenvolvimento da autonomia institucional com a constituição de sistemas de avaliação e de controlo de qualidade. Um dos paradoxos do Estado supervisor reside, no entanto, na ênfase simultânea que é conferida, por um lado à desregulação e à autonomia institucional, e, por outro, ao desenvolvimento de um corpo regulatório condicionando a acção institucional e impossibilitando a constituição de ?verdadeiros? mercados no ensino superior.
O desenvolvimento do Estado supervisor implica não só mudanças na relação entre as instituições e o Estado, mas também um novo modelo de gestão das instituições, privilegiando o planeamento estratégico como um instrumento de resposta aos novos desafios políticos e económicos com que se deparam os sistemas de ensino superior. Este novo modelo de gestão implica, também, uma redefinição das relações de poder nas instituições, quer redimensionando o peso dos vários grupos internos, quer reconhecendo novos interesses externos.
O desenvolvimento da autonomia institucional, as alterações no sistema de financiamento e a criação de sistemas de avaliação do ensino superior, nas décadas de 80 e 90, expressam claramente a emergência no nosso país de novas formas de regulação do ensino superior de acordo com as tendências internacionais.
Foi recentemente aprovada, na Assembleia da República, a Proposta de Lei do Regime Jurídico do Desenvolvimento e Qualidade do Ensino Superior, preparando-se o Governo para apresentar nova legislação sobre o ensino superior. Procurando legitimar-se num discurso evocando a necessidade de racionalizar o sistema de ensino superior, aumentando a sua eficiência, eficácia e relevância social, a lei caracteriza-se por uma centralização na regulação do ensino superior com um reforço substancial dos poderes do ministro da Ciência e do Ensino Superior, contrariando a tendência de aumento da autonomia institucional. De certa forma, esta lei parece traduzir o que alguns autores, ao analisarem as reformas educativas dos países do centro nos anos 80 e 90, designaram também por ?paradoxo do Estado neoliberal?, ou seja, uma intensificação da intervenção estatal na educação associada a uma crescente mercantilização dos sistemas educativos.
A lei visa regular os critérios de organização da rede escolar, em especial da rede pública, e da avaliação da qualidade. No que respeita à necessidade de racionalizar a oferta de ensino superior, transparece na lei um modelo de regulação do sistema pelas necessidades do mercado de trabalho, ou seja, de acordo com um modelo de universidade ?orientada pelo e para o mercado?. A saturação das saídas profissionais e a falta de necessidade de quadros qualificados são apontadas como critérios para a aprovação, pelo Ministro, de medidas de racionalização da oferta de ensino superior, como o encerramento de cursos e de estabelecimentos de ensino.
Também nas áreas da garantia da qualidade e do financiamento se regista um discurso privilegiando uma retórica de mercado associada a um reforço da intervenção governamental. A atribuição de uma classificação na avaliação dos cursos e instituições e a forma da contratualização no financiamento são medidas que se inserem num modelo de regulação segundo a lógica de mercado. Por outro lado, traduzindo uma maior intervenção do Governo, aponte-se, entre outros exemplos, e segundo a proposta de lei, a possibilidade de o Ministro poder estabelecer normas quanto aos planos de cursos para efeitos de acreditação, e mínimos de frequência por curso, ramo, etc., como condição de financiamento. Estas medidas, além de interferirem com a autonomia das universidades, poderão levar a uma certa uniformização não desejável do sistema dadas as crescentes solicitações feitas ao ensino superior e a diversidade do seu público.
A necessidade de reformas no ensino superior parece ser consensual. Num contexto de criação de um espaço europeu de ensino superior, o desenvolvimento de um modelo específico para o ensino superior, não burocrático e centralizador, mas também não submetido a uma lógica mercantil, parece ser um imperativo. Para tal é de crucial importância um papel mais activo e inovador da comunidade académica.


  
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Edição:

N.º 118
Ano 11, Dezembro 2002

Autoria:

Ana Maria Seixas
Univ. de Coimbra
Ana Maria Seixas
Univ. de Coimbra

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