(extractos de um texto de Ignácio de Loyola Brandão, retirado da
Internet, para justificar esta ocupação de página da sétima arte)
"Foi através do cinema que comecei a tomar consciência dos outros países
latino-americanos. Amávamos o México que nos vinha por meio de imagens do
diretor de fotografia Gabriel Fiqueroa, o parceiro constante do diretor Emilio
Fernandez, célebre pelos seus grandes planos de paisagens cobertas de nuvens.
Imagens que certamente influenciaram a fotografia de Chick Fowle em "O
Cangaceiro", um dos épicos brasileiros dos anos 50. Da Argentina vinham filmes
com Libertad Lamarque. Ela não mostrava as pernas, mas conseguia o impossível
com seu canto: prendia a nossa atenção.
O cinema era refúgio, lugar mágico onde nos escondíamos e nos afastávamos
daquela pasmaceira que era a vida interiorana. Araraquara não diferia das
outras cidades. Vivíamos em pequenos feudos, cada cidade fechada em si, as
comunicações eram difíceis, escassos os telefones. Nossa relação com o mundo
era através da sessão de cinema e existia,em torno dela, um cerimonial. mais
que isso. Ritual sagrado, do qual participava toda a cidade.
(?)
O cinema era a única diversão. A sala era o ponto de encontro, a exibição
social, vitrine para os vestidos novos, sapatos, jóias, ternos. Meninos de 14
anos desajeitadamente enfarpelados, com gravata e tudo. E sapatos engraxados.
Na tarde de sábado, íamos para o jardim público, à procura de engraxates. Os
sapatos brilhavam. Chegava-se cedo, às 19h30m o cinema estava cheio. Os jovens
sentavam-se do meio para a frente.
(?)
Na sessão das 20h as meninas ficavam sentadas, mantendo um lugar vago ao lado.
Colocavam bolsa ou um casaquinho. Tiravam o bolero e exibiam os ombros, ainda
que algumas recebessem das mães o recado: "Pare com essa indecência". O lugar
vago era para o namorado que, junto com outros rapazes, passava o tempo
circulando pelos corredores. Uns já namoravam, outros ficavam na paquera -
olhavam o lugar vago, perguntavam se estava ocupado; se a moça fosse com a cara
do rapaz, dizia que estava livre, ele podia sentar-se.
(?)
No escuro, o tempo parava, como se estivéssemos numa nave espacial.
Alimentávamos fantasias e delírios, ilusões e sonhos. O cinema nos atirava no
infinito, era um tapete voador, droga, alucinógeno. Tudo mentira, mas como se
mentia bonito, em tecnicolor, em cinemascope, em 3D. De Araraquara partíamos
para o mundo, habitávamos Paris ou México, Bagdá ou Londres, África ou Moscou e
terras misteriosas. Adoramos Maria Felix e dançamos ao som dos boleros Augustin
Lara, aquele homem magro, com uma cicatriz, que nos levava à perplexidade"
IGNÁCIO DE LOYOLA BRANDÃO é autor, entre outros, de "Zero", "Não Verás País
Nenhum", "O Ganhador", obras a (re)ler neste momento da redescoberta do Brasil
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