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Para uma cidadania interventiva


(A propósito do debate sobre o plano director municipal do Porto)

Aproxima-se um debate sobre o Plano Director Municipal do Porto. Deixo aqui esta reflexão para uma cidadania interventiva nesse debate sobre a cidade.

O Plano Director Municipal e a intervenção na área metropolitana do Porto, inserem-se naturalmente numa malha territorial mais vasta. Trata-se de um enquadramento geopolítico sucessivamente mais amplo que se interliga desde a região até à biosfera. Do local ao periférico todos os parâmetros devem ser levados em conta.
Tanto mais que na cidade do Porto e na sua área metropolitana, múltiplos hectares têm incidências inter-sistémicas regionais e internacionais: o mar, o rio, os impactos da poluição industrial, as comunicações, etc.
Este reparo metodológico serve para evitar qualquer "ilusão" reducionista em julgar que se pode mudar tudo só a partir do local. A planetarização ou a verdadeira globalização é necessária para se entenderem as inter-relações do local com o global.
Partindo assim desta forma de pensamento ecológico (inter-actividade do local e do global) interessa contudo delimitar influências no quadro das relações de forças e em função do posicionamento. As questões do território são sempre concretas e materiais, embora as problemáticas sejam teóricas e sociais.
Existe uma área territorial que melhor podemos conhecer e sobretudo onde melhor se pode intervir. Essa área, cujos factores interactivos são mais evidentes e onde a organização social detém condições estratégicas deve optar por um desenvolvimento adequado ao biótopo que lhe é correspondente. Isto constitui o eco-sistema essencial da reflexão e intervenção sobre o território, sem se imporem fronteiras aos restantes biótopos que interagem continuamente. Podemos assim optar por uma área que envolve o P.D.M. e a área metropolitana do Porto, como alvo principal da reflexão-intervenção.
Numa perspectiva de desenvolvimento ecologicamente sustentado, a intervenção ecosistémica terá de se articular sempre em função dos factores essenciais para um ecodesenvolvimento, numa rede relativamente ampla do território:

  1. Montagem de sistemas descentralizados de produção de energias renováveis e, eliminando com todas as medidas transitórias possíveis, todas as energias esgotáveis e poluitivas.
  2. Desenvolver uma prática eco-técnica capaz de reciclagem de materiais e lixos não biodegradáveis.
  3. Promover um eco-desenvolvimento que estrategicamente vise a eliminação das desigualdades sociais, criando condições de biodiversidade e ecosustentabilidade, como base de autonomia e solidariedade.

Para uma imagem futurante e força estratégica duma mobilização social na busca da mudança da "necropolis" para "ecopólis", é preciso primeiramente intervir no território natural, suporte de toda a urbanização. Assim, é necessário plantar corredores verdes de jardins úteis e agradáveis que se interliguem em todo o território da cidade e das áreas circunvizinhas, criar zonas verdes (parques, bosques, hortas)de implantações de árvores que, para além de factores estéticos, constituem fontes de alimentação, despoluição e reciclagem dos resíduos orgânicos.
É necessária a revitalização de antigos cursos de água e eventual criação de "organismos" hídricos que constituam a bio-filtragem de águas residuais susceptíveis de reutilização futura e que podem ser simultaneamente apetecíveis espelhos de água bioclimatizadores.
Estas são as grandes opções que, embora mais abrangentes, são também as mais decisivas para a alternativa ecológica à cidade termodinâmica.
Centrais de múltiplas formas de energias renováveis (eólicas, solares, hídricas, etc. devem ser instaladas em locais estratégicos da cidade e da região de modo a que se criem estruturas eco-técnicas de "escala humana" e de tal modo descentralizadas que possam servir a população e apoiar actividades múltiplas em todo o território. Essa descentralização energética será um factor essencial para a distribuição mais harmoniosa da população no território.
A construção deverá orientar-se essencialmente para a bio-construção procurando eco-tecnologias, materiais recicláveis e coadjuvar a bio-climatização paisagística a nível territorial (os jardins, as árvores, os cursos de água) com a bioclimatização construtiva (escolha de materiais e processos construtivos que permitam uma maior economia energética).
Sobretudo, é necessário orientar a intervenção arquitectónica mais para o domínio da reutilização das edificações existentes pois a aglomeração construtiva concentrada deverá também dar lugar a um maior diálogo com a natureza e a arte.
Esta metodologia visa colocar um problema decisivo na forma de encarar o urbanismo:
a intervenção do urbanismo deve ser essencialmente a de organizar o território em termos de eco-sistema antrópico visando o desenvolvimento ecologicamente sustentado. Os aspectos da construção e das estruturas tecnológicas devem ser subordinadas a este ponto de vista. No paradigma da cidade-máquina era a construção que determinava a organização do território.
Hoje, qualquer movimento social que queira intervir na "necropolis" que temos, tem que visar esta perspectiva de "ecopolis". Caso contrário os processos de mudança arriscam-se apenas a serem mecanismos de regulação e/ou repressão urbana em função do neo-liberalismo dominante.
Assim, a luta por melhores transportes públicos, pela preservação do património histórico, pela salvaguarda das áreas naturais, contra a especulação imobiliária, pela defesa da qualidade de vida e pelo fim da segregação social, tem que revelar esta estratégia global alternativa e participada, mesmo que as mudanças sejam metamorfoses pontuais, num processo contínuo em que não hajam soluções imediatas e finais.


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 116
Ano 11, Outubro 2002

Autoria:

Jacinto Rodrigues
Fac. de Arquitectura da Univ. do Porto
Jacinto Rodrigues
Fac. de Arquitectura da Univ. do Porto

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