O céu tombou sobre a cabeça dos americanos que,
da direita à esquerda, consideram como "provocadora" a recente
decisão de um tribunal californiano de interditar o juramento da bandeira
nas escolas por considerar que ele contém uma afirmação
("Uma nação sob Deus") que viola a separação
constitucional entre a igreja e o estado. "Dizer que somos uma nação
sob deus corresponde a dizer que somos uma nação sob Jesus, sob
Vishnu, sob Zeus, ou sob qualquer outra entidade divina, e nenhuma destas afirmações
é neutra do ponto de vista religioso", diz a sentença do
tribunal de São Francisco. Indignados, os mais altos representantes políticos
da nação vieram a público expressar a sua insatisfação.
O presidente dos Estados Unidos, George W. Bush - um metodista que mostra frequentemente
o seu fervor cristão - julgou como "ridícula" esta decisão,
referindo que os direitos da América "provêm de Deus, tal
como proclama a declaração de independência". O presidente
do senado americano, Lloyd Ogilvie, afirmou, por seu lado, que a expressão
"Uma nação indivísível sob Deus" - assim
como "Em Deus confiamos" (divisa que figura em todas as notas de dólar)
- não está em contradição com a "liberdade
religiosa" e a separação entre igreja e estado garantida
pela constituição.
O homem que despoletou este autêntico "escândalo" é
um médico californiano de 49 anos, que apresentou queixa em tribunal
por não querer que a sua filha seja obrigada a cumprir diariamente este
ritual, no qual as crianças, com a mão direita sobre o coração,
juram "fidelidade à bandeira e à república que ela
representa, uma nação sob Deus, indivisível, com justiça
para todos". A nova "besta negra" da direita religiosa americana
queixa-se de já ter recebido diversas ameaças através do
seu gravador de chamadas.
A maioria dos comentadores admite que o supremo tribunal, de maioria conservadora,
não dará providência à decisão do tribunal
californiano. É o caso de Laurence Tribe, professor de direito da universidade
de Harvard, que não vê "nenhuma hipótese" de esta
decisão ser validada, ao contrário do seu colega Eugene Volokh,
que vê numa batalha judicial a única forma de a levar em frente.
A imprensa norte americana comentou também o facto. O New York Times
considera que é uma atitude bem intencionada, mas "contraria o senso
comum". "Gostaríamos que a divisa "uma nação
sob Deus"" (instituída pelo presidente Eisenhower, no contexto
de uma suposta protecção divina contra o comunismo ateu dos soviéticos)
"nunca tivesse sido imposta, mas ela é parte integrante da América",
refere o jornal. Por seu lado, o Wall Street Journal critica a decisão
e lembra, com alguma malícia, que o mesmo tribunal de São Francisco
concedeu recentemente o direito aos rastafaris de fumar cannabis em nome da
liberdade religiosa.
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