Página  >  Edições  >  N.º 115  >  Três perguntas em início de século

Três perguntas em início de século
    1. Que questões o preocupam mais neste início de século?
    2. Que propostas lhe parecem mais adequadas para resolver as questões que referiu acima?
    3. Num recente inquérito à escala mundial, promovido pela Gallup Internacional, dois terços dos inquiridos refere que o seu país “não é governado de acordo com a vontade do povo” e mostra-se de modo geral insatisfeita com a qualidade das democracias. Neste contexto, considera importante reforçar o papel da sociedade civil e dos movimentos sociais na construção de novos caminhos para o mundo?


1
e 2 - Várias questões se colocam no momento presente à escala mundial. No início dos anos 90, foi-me colocada a questão das perspectivas para aquela década. Na minha condição de membro de uma organização não governamental de ambiente, e face àquilo que me pareciam ser os grandes desafios queassentavam nos paradigmas a reconverter, achei que, não obstante estar-se perante situações de resolução premente, o maior investimento seria a Educação Ambiental.
Trata-se fundamentalmente da produção de um novo paradigma, em que não se verifiquem situações como as actuais em que se assiste à exploração de recursos por sociedades, de sociedades por sociedades, e de indivíduos por indivíduos.
É para mim urgente que se verifique uma autêntica revolução do saber, que levará certamente à conclusão de que a pilhagem de bens e de populações acabará por penalizar todos, quaisquer que sejam os respectivos estatutos sociais.
Porquê? Vejamos:

  1. A população vai crescer a um ritmo superior à capacidade de carga do Planeta: não haverá alimento que satisfaça cerca de 9 mil milhões de habitantes, mesmo atendendo a que, como dizem os tecnocratas, a ciência terá soluções para todas as disfunções que viermos a ter no futuro;
  2. A emergência de Refugiados Ambientais obrigará os países ditos desenvolvidos a terem de os aceitar, como moeda de troca relativamente à situação que lhes produziram;
  3. A exaustão de matérias-primas nas quais tem assentado o crescimento desses países, obrigará à investigação de formas alternativas, especialmente de acesso às novas energias, para que os níveis de vida se mantenham nos padrões actuais;
  4. A enorme diferença de acesso a tecnologias tais como as comunicações informáticas, torna mais diferentes os povos do auto proclamado mundo ocidental, rico, avançado, e aqueles para os quais não se faz sequer qualquer esforço no sentido de se minorar os efeitos do SIDA, por exemplo;
  5. No tempo da repressão denominada com propriedade fascista, discutiam-se ideais, em que se usavam termos como "exploradores e explorados". Hoje, com a emergência dessa situação de iniquidade, passámos a poder dizer que no mundo temos "globalizadores e globalizados" o que é apenas uma variação de terminogia.
  6. A distribuição da água, essencial à vida humana, tem resultado em guerras sem sentido. Novas guerras não se compreendem, e os países que partilham esse recurso vão obrigatoriamente ter de se entender, partilhando equitativamente esse recurso vital;
  7. Os níveis de poluição que trazem consigo a ameaça de problemas em grande escala, por exemplo aqueles que derivam do excesso de libertação de gases tóxicos para a atmosfera, têm nos Estados Unidos o ónus da produção de 25% do total. Escandalosamente, esse país recusou a ratificação do acordo de Kioto, com a alegação de que isso traria o colapso da indústria americana; vá-se lá saber se sim ou não o presidente desse grande país não será a face visível dos interesses mais repugnantes da sociedade norte-americana.

Que não só assenta a sua economia na exploração da mão-de-obra de países em situação económica desfavorável, como também na poderosa máquina de armamento, que justifica, aliás, a psicose da guerra do "Bem contra o Mal".

3 - O termo "O Povo é quem mais ordena" apenas teve eco durante os (poucos) anos que sucederam à mudança de regime. A partir de então, acentuou-se desmesuradamente a aproximação das ideologias (se é que as houve) e hoje verificamos aberrações como:

  1. O jogo de quem fez mais obras públicas e gastou mais dinheiro do erário público nos jogos de inaugurações;
  2. A Democracia Representativa cada vez mais deixa de representar quem vota com a assunção de que vai ver os seus interesses entendidos e, quiçá, resolvidos;

Os jogos de interesses estão muito mais voltados para a divisão de poderes do que para os reais problemas do País. É minha convicção de que não é o poder que corrompe, mas sim o medo de o perder;
As sociedades entendidas como "O Povão" podem não estar satisfeitas. Mas tendo como tem a memória curta, depressa se deixa enredar por populismos desmedidos, bem aproveitados pela classe política. À outra classe, a dos apenas votantes, apenas cabe o "digno" papel se servir de desculpa para os jogos de interesses, em nome da defesa daqueles que dizem representar.
Como disse inicialmente, tenho actividade numa Associação não-governamental, no caso de defesa do Ambiente. Trata-se de uma forma de dar corpo ao cidadão que, não tendo poder para mudar o sentido do poder (é esse o significado da expressão) pode intervir no sentido de o condicionar.
Uma associação mais não é que um grupo de pessoas inquietas sobre os mesmos problemas e com a consciência de que a agregação constitui uma potenciação das suas capacidades.
Tal como quem defende o Ambiente, coisa de interesse inquestionável - e eu tentei demonstrá-lo nas linhas anteriores - é de extrema importância que se criem movimentos que emergem de novas situações, se calhar não novas mas agora manifestadas, tais como a luta conta xenofobia e o racismo; o apoio a emigrantes, as mais das vezes explorados pelos passadores de fronteira, e seguidamente, pelas mafias que vivem à sua custa; a luta pelos direitos humanos, e, especialmente, pelos das crianças; a luta pela interacção entre empregadores e empregados no objectivo comum que deve ser o da produção competitiva pela qualidade;
Enfim, a luta pelo direito à felicidade. De todos. Em igualdade.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 115
Ano 11, Setembro 2002

Autoria:

Júlio Roldão
Jornalista do Jornal de Notícias
Júlio Roldão
Jornalista do Jornal de Notícias

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo