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Reinventar a cidadania e a democracia

A globalização tem vindo a produzir uma verdadeira mutação no conjunto das sociedades. Estamos perante um fenómeno com impactos maiores sobre as identidades nacionais, a fragmentação social, e a noção de cidadania. Em especial nas sociedades democráticas, estas transformações; ao nível económico, político, e cultural; conduzem a novas formas de cidadania e de democracia com repercussões na justiça social.

Não é descabido afirmar que, desde sempre, diferentes formas de globalização têm existido. Mas hoje, quando se observam certas variáveis económicas fundamentais, constata-se um salto qualitativo. Assiste-se à intensificação da circulação do capital e consequente transnacionalização das grandes empresas: o mundo constitui, doravante, o terreno da sua intervenção. A desterritorialização e a transnacionalização do capital, da produção e da circulação de bens e serviços, criam uma espécie de terra de ninguém.
Os Estados-nações perdem progressivamente poderes no que respeita à sua soberania: regulação monetária, elaboração de políticas económicas ou de programas de protecção social. Por outro lado, as grandes organizações económicas supranacionais; Banco Mundial, FMI, Organização Mundial do Comércio; todas sob o controlo dos Estados mais potentes (e em particular dos EUA), tendem a impor aos países as suas próprias regras, nomeadamente as condições para a reestruturação das suas economias.
Os Estados, por seu lado, também não estão parados. Constatam-se processos de reorganização das instituições políticas. Cada vez mais a preponderância se situa no executivo. Progressivamente, as decisões tomam-se em círculos mais restritos, as superestruturas executivas. O espaço democrático de deliberação deixa de ser político e passa a ter uma forte carga tecnocrática. Esta forma de organização tem conduzido, nas últimas décadas, à fragmentação das sociedades, abrindo-se conflitos sociais em que a
dicotomia, universalismo vs particularismo, está muitas vezes presente.
Esta fragmentação social traduz-se no aparecimento de novas exclusões, em particular de pessoas que escapam, de certa forma, às habituais definições de cidadania. Por um lado, uma overclass, onde se encontram pessoas completamente desterritorializadas e desnacionalizadas. Um fenómeno observável nas grandes cidades financeiras pluriculturais como Londres ou Nova Iorque. Por outro, uma underclass, formada de uma massa de pessoas, condenadas ao trabalho precário, a baixos salários e dispondo de poucos meios
para fazer valer os seus direitos.
Vivemos em Estados com forte tendência para criar relações burocráticas junto das sociedades e das populações. Estados protectores do capital, ou por ele comandados, em que os cidadãos se sentem cada vez menos representados e cujas causas são difíceis de captar. Mesmo se o imaginário colectivo se encontra com menos aspirações (ou com menos confiança), a sociedade civil não deixa de se manifestar pelos seus direitos mas, agora, fora das instituições políticas tradicionais. Aparecem assim novos movimentos sociais que procuram restaurar outros princípios de democracia, onde haja lugar ao reconhecimento do universalismo do espaço público, isto é, da afirmação de uma verdadeira cidadania nos planos cultural, económico e político.
Com a globalização, numerosas modificações estão em curso em diferentes planos da vida social. Reinventar, pois, a cidadania e a democracia, pode ser a resposta à falta de responsabilização do Estado cada vez mais fraco e burocrático.


  
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Edição:

N.º 113
Ano 11, Junho 2002

Autoria:

António Mendes Lopes
Instituto Politécnico de Setúbal
António Mendes Lopes
Instituto Politécnico de Setúbal

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