O Parque Biológico de Gaia foi o primeiro centro de ambiental a entrar em
funcionamento no país, já lá vão quase vinte anos. Numa área de 35 hectares, é
possível ver espécies de animais que desapareceram ou rareiam em Portugal,
revisitar antigas quintas ou simplesmente relaxar na relva e escutar o marulhar
das águas do rio. Uma delícia.
A tarde estava quente e soalheira. Depois da chuva dos últimos dias, a chegada
do bom tempo era ideal para disfrutar o prazer que a descoberta e o contacto
com a natureza habitualmente proporciona. O Parque Biológico de Gaia é um
desses sítios. Lá, o tempo ainda passa devagar e tudo parece estar em harmonia.
Não é um parque urbano no sentido estrito do termo, apesar de ser uma extensa
área verde e se situar na malha urbana de uma grande cidade, e também não é um
parque zoológico no sentido com que habitualmente o designamos, apesar das
inúmeras espécies de animais que o habitam.
O termo mais correcto será então centro de educação ambiental - o primeiro a
surgir no país -, cujo principal papel não é tanto o de ensinar o nome das
árvores ou dos pássaros, mas antes fazer compreender a evolução dos usos e
costumes, a transformação da paisagem e a importância do meio ambiente no
sentido de um desenvolvimento sustentado. Um objectivo que se tenta atingir
convidando o cidadão a revisitar um património natural e cultural - matagais,
campos cultivados, caminhos vicinais, casas rurais, moinhos, ribeiras, muros de
granito, açudes, fauna selvagem e flora espontânea - magnificamente preservado.
Nuno Oliveira, director do parque biológico, diz a esse propósito: "Da
compreensão dessa paisagem, em cuja modelação foi determinante a milenar
intervenção do homem, e da comparação com a envolvente próxima, rurbana e
urbana, resulta o acto educativo". E é realmente disso que se trata:
proporcionar um acto educativo em contexto natural sem pretender fazer dele uma
mera exposição.
Para além desta componente educativa, a importância deste equipamento mede-se
também pelo refúgio natural que constitui para a fauna da região e não só:
oitenta espécies de aves vivem no parque ou visitam-no durante as migrações,
metade das quais nidifica ali. O parque é, aliás, um ponto de passagem das
rotas de migração das pequenas aves, em particular das que seguem os rios e as
ribeiras, como é o exemplo do pintassilgo-verde.
Dispersas pela paisagem encontram-se igualmente dezasseis espécies de
mamíferos, entre elas algumas que foram dadas como extintas, como a
cabra-brava, cujo último exemplar em estado selvagem tinha sido abatido na
Serra do Gerês em 1982, ou o próprio bisonte, que em tempos percorreu todo o
continente europeu e foi dado como desaparecido nas estepes da Polónia em 1921,
a que se somam a Toupeira-de-água e a Lontra, espécies já pouco comuns em
Portugal. A esta classe juntam-se os reptéis e os anfíbios, representados por
doze espécies, oito de peixes e várias dezenas de invertebrados.
Para se perceber a extensão da sua importância enquanto refúgio da fauna, será
igualmente importante referir que no parque existe também um centro de
acolhimento de animais selvagens encontrados feridos ou apreendidos pelas
autoridades, que funciona em colaboração com o Instituto de Conservação da
Natureza.
Os animais que se encontram em cativeiro ou semi-cativeiro, de acordo com os
princípios estabelecidos pela direcção do parque, não podem ser capturados
intencionalmente, tratando-se por isso de exemplares que ou já foram criados em
cativeiro, apresentam alguma incapacidade permanente ou são espécies
domésticas. Quando a recuperação é possível, os animais são libertados em local
adequado. Os excedentes dos programas de criação em cativeiro são postos à
disposição do Instituto de Conservação da Natureza e da Direcção Geral de
Florestas para programas educativos, de repovoamento ou permutas de
diversificação genética.
Outro dos princípios diz respeito ao encareceramento dos animais, onde é posto
um especial cuidado no dimensionamento, localização, arranjo e vegetalização
dos cercados e gaiolões, de modo a recriar tanto quanto possível as
características do habitat natural e reduzir o stress a que estão
sujeitos.
Um espaço de descoberta
A primeira impressão do parque sugere-nos um imenso espaço de descoberta: os
caminhos que penetram no interior da floresta e a mancha densa de arvoredo são
alguns dos ingredientes que aguçam a curiosidade dos visitantes, que têm ao seu
dispor mais de três quilómetros de trilhos.
Na tarde em que a Página visitou o parque, encontrou uma turma do 4º ano da
Escola Básica do 1º Ciclo da Areosa, em Viana do Castelo. O entusiamo entre os
alunos era evidente, e havia mesmo quem garantia que não se importava de viver
ali. A Conceição era uma das mais atentas, sempre de caneta e bloco de notas na
mão pronta a apontar as características dos animais e dos locais por onde ela e
os colegas passavam. A razão para tanta atenção, explicou a própria, devia-se
ao facto de as informações reunidas se destinarem a fazer o jornal da escola,
cujo próximo número seria dedicado inteiramente à visita ao parque.
O percurso iniciou-se na zona destinada às aves estuarinas, que habitam uma
gaiolão imenso, capaz de proporcionar o vôo no seu interior, onde se misturam
diferentes espécies de aves. A observação dos animais, tanto ali como ao longo
de todo o percurso, é efectuada através de observatórios em madeira, com uma
abertura ao nível dos olhos suficientemente larga para permitir uma boa
visualização e discreta quanto baste para não assustá-los. Mais à frente é a
vez dos gamos e dos corços, que pelo seu aspecto simpático e inofensivo
enterneceram particularmente os miúdos.
As fichas de trabalho, distribuídas à entrada, iam ajudando os alunos a
descobrir mais sobre o que iam vendo e fazendo está-los atentos aos painéis
informativos dispostos ao longo do percurso. Cada nova etapa originava uma
correria desenfreada, cada um a tentar chegar primeiro que os outros. O
professor que os acompanhava bem tentava acalmá-los, mas a excitação era tanta
que se tornava difícil contê-los. Para trás ficava invariavelmente a Conceição,
acompanhada de um ou outro retardatário, sempre com o bloco de notas à mão. O
João Paulo era outro dos miúdos mais castiços, que fazia questão de ler em voz
alta as explicações constantes nos painéis informativos. Os colegas, porém,
dispersos pelo cenário que os envolvia, ouviam-no umas vezes atentamente,
outras nem por isso.
Chegados à quinta de Sto. Tusso, uma das propriedades agrícolas mais antigas da
região, os alunos ficaram a conhecer umas poucas espécies de galináceos que não
estão habituados a ver, nem nos quintais dos avós, como as galinhas da Índia,
com os seus penachos exuberantes, ou os faisões cobertos de uma bela plumagem
multicolor. Esta quinta, muito bem preservada, mantém ainda as funções de
produção agro-pecuária, sendo por isso mais do que um museu vivo.
Caminhando um pouco mais em frente deparamos com os animais da quinta -
carneiros, cabras, vacas, porcos - que vivem nos socalcos sobranceiros ao rio
Febros. Este curso de água, desconhecido para muitos dos habitantes do próprio
concelho, mantém uma importante função no vale que atravessa o parque, não só
porque é usado na rega dos campos mas também porque mantém intacta uma
vegetação ribeirinha característica, onde predominam os salgueiros, os amieiros
ou os choupos. A poluição, porém, já fez com que muitas das espécies de peixes
que ali abundavam tenham desaparecido.
É o mesmo rio que faz mover as engrenagens do moinho do Belmiro, recuperado no
início da década de 90, que mostra de que forma era ancestralmente moído o grão
antes da industrialização deste processo. Depois de lerem os painéis e ouvirem
as explicações do professor, os miúdos já só queriam partir para a etapa
seguinte. Atravessando a zona de floresta, chega-se ao recinto das
cabras-bravas - que de bravas nada parecem ter, tal foi o modo com que uma
delas se deixou afagar - e daí aos javalis e aos bisontes. Quanto ao resto,
muito mais haveria para contar. Por isso, melhor do que tentar imaginar o
parque através desta descrição é fazer como eu próprio e os alunos da EB da
Areosa e descobri-lo pelos próprios sentidos.
Apesar de se dirigir a miúdos e graúdos, um recurso de educação ambiental como
o Parque Biológico de Gaia tem nas escolas um dos públicos alvo de primeira
importância. O ano passado visitaram o parque cerca de dois mil grupos
organizados, num total de 150 mil visitantes. É por essa razão que, para além
das visitas diárias, existe um programa de estágios ambientais de dois ou três
dias que funcionam como uma visita de estudo mais completa. Os participantes
dormem nas instalações do próprio parque, que dispõe de um centro de
acolhimento para 88 pessoas, e podem usufruir de uma série de actividades
complementares relacionadas com a descoberta e aproveitamento dos materiais
naturais. Entre outras, mostra-se aos alunos de que forma se podem colorir
tecidos através das plantas, reciclar papel, construir comedouros e ninhos para
a passarada, fabricar compotas, aprender a fazer um herbário ou reutilizar
materiais que habitualmente são vistos como lixo.
Além disso, existe também o programa Turma Verde, através do qual se
proporciona às escolas a possibilidade de realização das aulas no interior do
recinto, para o qual se proporciona uma sala e se põe à disposição o
laboratório
Expansão ainda não está garantida
O projecto de criação do Parque Biológico de Gaia remonta ao início da década de
80 e foi na altura apresentado pelo Núcleo Português de Estudo e Protecção da
Vida Selvagem à Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, que apoiou a ideia
através da cedência de um terreno de dois hectares na freguesia de Avintes,
nessa altura um arrabalde longínquo, que aos poucos foi sendo absorvido pela
malha urbana que se começou a tecer a sul da cidade do Porto. Partindo de uma
pequena equipa e de instalações provisórias, começou-se pela abertura e
sinalização de caminhos, construção de instalações para animais, abertura de
lagos e produção da primeira informação destinada ao público.
Em 1997 o parque foi ampliado para 35 hectares (mais ou menos o tamanho de um
número equivalente de campos de futebol), não só com o objectivo de alargar as
instalações mas principalmente no intuito de preservar a integridade
paisagística do local. É que a pressão imobiliária avança rapidamente naquela
direcção e o parque é cada vez mais uma ilha no meio do betão. Porém, a
autarquia de Gaia já inscreveu aquele espaço como zona protegida no Plano
Director Municipal.
Atingida a fase adulta, a grande prioridade da administração do parque é agora
a expansão da actual área, que apenas poderá ser concretizada através da compra
de mais vinte hectares de terrenos contíguos. Porém, alerta Nuno Oliveira, além
de o orçamento autárquico destinado ao parque ser reduzido e não permitir
grandes sonhos, é necessário que, antes de mais, a câmara municipal proponha
que essa área seja afectada como reserva agrícola ou ambiental, o que ainda não
sucedeu. Dados estes fortes condicionamentos, o projecto mais realista passa
pela recuperação do edifício da Quinta do Chasco para transformá-lo num centro
de investigação sobre bio-diversidade e recursos genéticos, em colaboração com
a Universidade do Porto.
De qualquer forma, é uma aposta ganha.
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