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Ignorância e demagogia

Adivinha-se o que vem por aí. O ministro manda recados. Os (tele)jornais servem de caixa de ressonância. Os fazedores de opinião contribuem para o peditório.

Não se sabe é se aquilo que se anuncia resulta da ignorância manifesta sobre a coisa educativa ou se da demagogia necessária à adopção daquelas medidas que, em educação, são parte integrante da agenda neo-liberal. Ignorância ou demagogia ?
Comecemos pela ignorância que Pacheco Pereira valorizou, de forma implícita num debate da TSF, como uma das qualidades necessárias daqueles que, doravante, possam ser escolhidos para exercer o cargo de ministro da Educação. Condição que, na sua opinião, assenta como uma luva ao actual ministro, na exacta medida em que este não pertence ao círculo daqueles que têm andado a estudar os problemas da educação e, por via disso, a cometer erros. Logo, e o raciocínio é simples, não sendo o ministro um especialista, é, então, a pessoa ideal para enfrentar os ditos problemas sem cometer os erros dos anteriores. A escolha dos actuais Secretários de Estado da Educação, uma especialista em Sociologia Rural e um ex-gestor da TAP e da EXPO, não é mais do que a confirmação de uma tão abalizada opinião.
Ao lado do dr. Pacheco Pereira enfileira a doutora Maria Filomena Mónica que constitui o melhor exemplo de como a ignorância sobre as coisas educativas não deve impedir ninguém de opinar e produzir doutrinas quer neste quer noutros campos. No "Público" de 3 de Maio de 2002, vem a notável paladina do anti-rousseaunianismo denunciar, mais uma vez, o desbaratar do dinheiro investido pelo M.E. nos últimos anos. Para isso, limitou-se a evidenciar o facto do orçamento do Ministério ter passado dos 421 milhões de contos, em 1990, para 1241 milhões, em 2000, e confrontar tal investimento com os resultados do "PISA", os quais, e isto foi escrito por M.F.M., mostraram que "67 % dos alunos do 4º ano obteve um zero - sim, 0 - num elementar exercício de Matemática". Como através do "PISA" só foram avaliados os alunos com 15 anos de idade, resta saber onde é que M.F.M. foi buscar aqueles números. Provavelmente à mesma fonte que não a informou, ainda, que as antigas escolas do ciclo preparatório e os liceus já não são designadas por escolas C+S.
Quanto à demagogia, os exemplos são muitos e permitem que, por exemplo, compreendamos porque é que o I.I.E. e o INAFOP foram encerrados como se estivéssemos na presença de uma qualquer Comissão relacionada com a segurança da travessia do rio Tejo. Não é por acaso que Santana Castilho, um dos novos arautos do conservadorismo pedagógico que o "Público" foi buscar ao baú dos ostracizados, dá finalmente largas ao seu entusiasmo com as medidas anunciadas por David Justino. Devolver às aulas dez mil professores no horário zero, retomar o rigor na medição do saber dos alunos, fim da escolaridade obrigatória... com frequência facultativa, congelamento da contratação de docentes a partir de 2003 / 2004, fim das "pausas lectivas", devolução da autoridade ao professor para impor a indispensável disciplina e, ainda, a não existência de reservas ou de preconceitos face ao ensino privado. Eis as medidas que merecem o apoio do articulista. Porrada nos professores e porrada nos alunos poderia ser a divisa que as inspira. Uma divisa manhosa, caso permita que, assim, nem uns nem outros inquiram, por exemplo, o Ministério da Educação sobre o modo como este pretende contribuir para que nas escolas portuguesas os alunos possam, mais do que reprovar, aprender coisas significativas e, assim, crescer como pessoas.


  
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Edição:

N.º 113
Ano 11, Junho 2002

Autoria:

Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto
Ariana Cosme
Fac. de Psicologia e Ciências da Educação, Univ. de Porto

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