A educação de infância ainda não é reconhecida como uma etapa fundamental no
desenvolvimento das crianças. E não são apenas os pais a desconhecer esta
realidade, já que o trabalho das educadoras continua a ser desvalorizado pelos
professores dos restantes níveis de ensino.
A educação de infância conheceu nos últimos anos uma expansão e visibilidade
que a fizeram passar, aos olhos da sociedade portuguesa, da mera guarda de
crianças a primeira etapa do ensino básico. Esta transformação, que para os
educadores significou a conquista de um prestígio social de que os outros
níveis de ensino sempre tinham gozado, é presentemente tema de constante debate
e reflexão por parte dos profissionais deste nível de ensino, sobretudo no que
tem a ver com a redefinição das suas funções, e na representação social que os
outros agentes educativos e a comunidade em geral têm dos educadores.
À conversa com duas educadoras de infância, ficamos a conhecer duas formas de
avaliar e de entender essas transformações. Ana é educadora de um jardim de
infância numa vila do distrito de Leiria, em que a população, embora
maioritariamente empregada no sectores secundário e terciário, mantêm ainda uma
forte ligação ao meio rural; Laura trabalha num jardim de infância de uma
cidade do distrito, activamente procurado por uma classe média mais instruída..
Para ambas, a publicação das "Orientações Curriculares para a Educação
Pré-Escolar" -(despacho 5220/97 2ª série), que não pretende ser um programa
curricular, mas um conjunto de princípios gerais pedagógicos e organizativos do
processo educativo a desenvolver com as crianças, representou um momento de
viragem. Aí são definidos os referenciais comuns para a orientação do trabalho
educativo dos educadores de infância.
A propósito da representação social da educadora, Ana sente que há grande
ignorância sobre o trabalho da educadora de infância, quer por parte dos pais,
quer por parte dos colegas dos outros níveis de ensino. Segundo ela, a imagem
que se tem geralmente da educadora de infância é de "guardadora de meninos".
Para a Laura, isso corresponde mais a uma realidade do passado. Actualmente, em
resultado das rápidas transformações por que passou a sociedade portuguesa, e o
reconhecimento da importância do ensino pré-escolar para o sucesso educativo,
há uma valorização da imagem da educadora de infância.
Para a Ana a imagem que nos outros níveis de ensino se tem da educação de
infância é de que neste nível não há muito trabalho, porque não há um programa
a cumprir. Pelo que as expectativas que têm em relação ao pré-escolar, é "que
lhes mandem as crianças muito sossegadinhas e certinhas". Esta realidade no
entanto tem vindo a alterar-se, na sequência da criação dos Agrupamentos de
Escolas. As educadoras, que também estão representadas no Conselho Pedagógico,
têm neste fórum oportunidade de transmitir aos colegas dos outros níveis de
ensino "aquilo que são e o que valem".
Para estas duas educadoras também não parece haver acordo sobre a forma como os
pais avaliam o seu trabalho.
Assim, para a Ana, "os pais continuam a dar pouco crédito ao que se passa no
jardim de infância". Pouca importância atribuem ao que a educadora diz a
respeito dos filhos. O importante é que as crianças "passem o maior número de
horas possível fora de casa, aprendam já algumas letras, e levem umas
prendinhas engraçadas".
A explicação para esta atitude dos pais deve-se, segundo esta educadora, à
ignorância dos pais sobre o processo e fases de desenvolvimento da criança, que
os impede de perceber a importância das actividades desenvolvidas no jardim de
infância para a sua socialização, para o desenvolvimento da linguagem,
desenvolvimento motor, emocional e cognitivo.
Mas se a avaliação que fazem dos pais e dos colegas de outros níveis de ensino
nem sempre é a mais favorável, também são bastante críticas em relação a muitas
colegas, "que não têm consciência do seu papel impulsionador do desenvolvimento
social da criança". Para a Ana, há uma relação estreita entre a prática
pedagógica e a formação inicial da educadora: "Pela prática de cada uma se vê a
formação que teve inicialmente, e a formação que teve oportunidade de adquirir
posteriormente. Ainda há muitas educadoras com uma prática pouco reflexiva, que
se limitam a fazer umas coisinhas engraçadinhas que os pais gostam muito de
ver, e se descuidam com o acompanhamento individual, e do ajudar a fazer
crescer indivíduos em todas as sua dimensões, e, sobretudo, como seres
pensantes, de se espantar, interrogar e buscar saber".
Laura tem uma atitude mais crítica em relação à eficácia da formação inicial.
Supervisora de estagiárias há vários anos, lamenta muitas vezes a incapacidade
destas em traduzir na prática os ensinamentos teóricos, sobretudo nos casos em
que se esperaria uma atitude mais vigilante, e que tem a ver com a atenção a
dar a crianças com necessidades especiais.
Ambas lamentam a existência de educadoras que ainda tratam de forma "especial"
e por vezes mesmo humilhante aquele que já são os "humilhados e amesquinhados
da sociedade", nas palavras de Ana.
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