A ideia de território educativo representa a impotência do
Estado para fazer frente aos problemas locais que assolam o sistema educativo,
cada vez menos nacional.
A institucionalização do território educativo, como referência
simultaneamente administrativa e pedagógica aplicável ao sistema educativo português,
tornou-se um objecto privilegiado do discurso político ao longo da segunda metade
da década de noventa. Na sequência do que vinha sendo uma experiência já com
alguns anos em alguns países europeus, designadamente em França, onde a experiência
fora lançada no início dos anos 80, o que se esperava alcançar com tal medida
era, por um lado, fomentar o processo de descentralização do sistema e promover
a reconfiguração da rede escolar no contexto do alargamento da escolaridade
básica para nove anos; era, por outro lado, promover uma outra cultura de escola
com base na implicação dos problemas e dos actores locais e, por último, ensaiar
medidas de gestão e de financiamento local a partir da adopção e do desenvolvimento
de lógicas de projecto assentes em formas de contratualização de interesses
e de parcerias e até de algumas formas de mecenato.
Nos termos duma tal iniciativa, a política da territorialização da escola representava
uma verdadeira inversão do que foi e tem sido a secular vocação da escola, instituição
por excelência de apoio à expansão, consolidação e afirmação dessa outra instituição
suprema que foi o Estado nacional, onde o território correspondia a uma entidade
mais mítica que real, em todo o caso suficientemente abstracta nas suas mensagens
escolares para não se deixar apropriar experiencialmente pelos seus destinatários.
O que, nas palavras de Derouet, fazia com que a escola não fosse deste mundo...
Ou se quisermos utilizar uma imagem mais clássica, a escola falava a linguagem
do espírito (nacional), contra a linguagem do corpo (local).
A ideia de que ao território educativo está reservado um certo protagonismo
do local no processo de desenvolvimento global representa não apenas a impotência
do Estado nacional - cada vez menos nacional, de resto - face à complexidade
e à magnitude dos problemas educativos, mas representa igualmente uma outra
forma de abordar a educação.
Se durante uma boa parte do século passado, e especialmente a partir da segunda
metade, o Estado se identificou com o estatuto de Estado Educador e, nessa medida,
a educação legítima tendia a definir-se segundo os parâmetros da cultura da
Escola, a perda dessa centralidade por força das transformações socio-políticas
e económicas, entre as quais a diluição das fronteiras nacionais e a globalização
da economia, impõe a necessidade de novas referências para escola. Ao local
parece estar reservada essa função.
Não é, porém, nada pacífico que o local e o território educativo
se identifiquem. Na verdade, se o local supõe uma relação de co-presença, de
pertença face a face entre o sujeito e o "espaço" de referência, uma relação
de domesticidade, digamos assim, ao território parece inerente uma certa condição
de reconhecimento socio-comunitariamente outorgado. Podíamos, talvez, complementarmente,
aproximar o sentido de local da vivência e da construção de subjectividades,
do desenvolvimento de intimidades ou da cultura dos envolvimentos e das cumplicidades.
Paralelamente e no que se refere ao território parece importante a ideia de
lhe associar a construção de intersubjectividades, de elaboração de consensos
comunicacionalmente mediados, de negociação e de mediação de conflitos oriundos
da própria vivência do local. Parece ser esta a única via para evitar a administrativização
do território ou seja, uma definição exterior de território.
Numa perspectiva analítica, estas dessintonias entre local e território
podem ser encaradas como estrategicamente complementares, sobretudo se apostarmos
em que o educativo não seja apenas o escolar.
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