É muito grande o número de nomes próprios estrangeiros encontrados no Português
Brasileiro (PB). Assim, resolvemos pesquisar aqueles nomes que adentraram mais
recentemente em nosso dialeto, buscando exemplos dos mesmos em fichas do arquivo
pediátrico do Sistema de Saúde (SUS) da cidade de Anápolis(Goiás).
Constatamos que, nos últimos 4-5 anos, cresceu o número de falantes nativos
a darem nomes estrangeiros a seus filhos. Tais nomes, em sua maioria, entraram
na língua sonoramente, após terem sido "filtrados", adaptados pelas leis fonéticas
do PB, o que é atestado pela sua escrita não-uniforme (os nomes Alef, Alleff,
Halef, Alefe, ou mesmo Djulia/Diulia e Djonatan/Dionatan/Jonatan
- adaptações brasileiras de July e Jonathan)
Devido ao filtro mencionado, os nativos percebem o nome estrangeiro cada qual
a sua maneira, pois não existindo a variante necessária em sua língua, buscam
a que lhes pareça mais próxima, substituindo os fones estranhos pelos de seu
idioma, o que ocasiona flutuações de ordem fonética por falta de unanimidade
do que foi apreendido. Isso é facilmente percebível ao compararmos as diversas
tentativas de registro dos nomes através da escrita. A variação ortográfica
é bastante grande, pois os falantes buscam transmitir um som "diferente" através
dos meios pré-existentes no português. Encontramos, assim, diversos modelos
de escrita, alguns dos quais trazemos como ilustração: Aleksandr, Alexsandre;
Alison, Alisson; David, Deivid, Deivide; Djeine, Jhennifer; Katrein, Khatrein,
Ketrein, Khetrein, Khatrin, Khatryn, Khatrine, Khatrun; Lohaine, Lorrainne,
Lorrainy, Lorrane, Lorrany, Lorane, Lorany, Lorriany; Michel (ora pronunciado
como "Michel", ora como "Maicon"); Stefany, Stephany, Steffanny;
Wellington, Wellinton, Welinton , Uelinton.
Também verificou-se que, na tentativa de encontrar um nome incomum, parece
estar havendo um retorno à antiga grafia do português. São muito constantes
as consoantes duplas, o uso do "y", do "w" ou mesmo do "h" em diversas posições
- por exemplo, abrindo a palavra como em Hanon (de Alex Hanon),
no meio do vocábulo entre vogais ( Lohane) ou após consoantes, mesmo
sem necessidade aparente (Fhelipe, Phelipe).
Outrossim encontramos várias flutuações morfológicas. Alguns prenomes historicamente
masculinos (Átila) ou femininos (Dolores) nas línguas de origem,
estão sendo utilizados tanto por homens como mulheres em nosso dialeto português,
numa franca variação de gênero. Além dos que mencionamos acima, também encontramos
Iris, Áquila, Rávila, Simone, Evani, Stefani, nesta mesma situação.
Tais flutuações são bastante naturais, e explicam-se pelo fato de uma língua
receber mais comumente empréstimos de ordem lexical, e não morfológica.
Por exemplo, o nome estrangeiro masculino Átila possui a mesma terminação
do feminino português, sendo mais cômodo para o usuário de nossa língua inseri-lo
no paradigma feminino devido à analogia. Assim, num primeiro momento, encontramos
a coexistência de formas distintas: vestígios do uso original (masculino) lado
a lado com a reassimilação portuguesa (feminina) do vocábulo, que, no futuro,
poderá - quem sabe - fixar-se definitivamente em nosso idioma.
Já nomes que não se enquadram em nenhum paradigma morfológico do português,
como Evani, Stefani, provavelmente manterão a alternância de gênero por
mais tempo, até que seu uso mais freqüente dentro da coletividade acabe por
fixar a norma lingüística definitiva.
E A LEGISLAÇÃO, NÃO VEM EM AUXÍLIO À LÍNGUA?
Na legislação vigente no Brasil, só há dois impedimentos na escolha de prenomes:
serem ridículos ou imorais, não sendo proibido ao pai registrar seu filho com
a ortografia que lhe pareça mais conveniente. Contudo, acreditamos que a grande
força do português estaria nele próprio, afinal, quantas outras línguas - ágrafas
- subsistem séculos sem perder sua identidade. Tudo depende da estrutura interna
da língua, mais propensa ou não a empréstimos. É ela que, em última instância,
traçará seu desenvolvimento de uma forma natural. Saindo ou pouco do
tema "antropônimos" para exemplificar, trazemos os vocábulos "futebol" e "ludopédio".
O primeiro deles foi eleito pelos falantes do PB em detrimento do segundo, e
acabou por entrar definitivamente em nosso dialeto. Quem somos nós - lingüistas
- para contestá-lo?
Porém, devemos ponderar sobre dois fatores - a nosso ver deveras importantes:
(1) a importância psicológica do nome próprio para o indivíduo, e (2) o grande
número de crianças a receber nomes estrangeiros.
Quando da alfabetização, as crianças que recebem tais antropônimos podem vir
a ter alguma dificuldade para entender e assimilar as diferenças gráficas e
sonoras entre seus nomes e o dos colegas. Mas isso é problema passageiro, e
uma vez sobrepujado, pode, com o tempo, gerar uma maior receptividade da
coletividade aos fones e grafemas estrangeiros, pois o sujeito identifica-se
com seu nome não apenas internamente (intimamente), mas externamente (socialmente).
E a sociedade, a coletividade de falantes pode vir a modificar antigos valores
lingüísticos. Por exemplo: em composições escolares infantis já se encontram
nomes como "Toby", "Katy" e outros afluindo de uma maneira bastante natural,
como se fossem nativos. Da mesma forma, as letras k, w, y
e h, que têm seu uso bastante tolhido pela Nomenclatura Gramatical Brasileira,
estão coexistindo abertamente com suas variantes nacionais.
É um começo. Quem poderá prever que outras mudanças, estas mais profundas, poderão
surgir futuramente no próprio sistema do PB, oriundas de tal receptividade?
Somente o tempo nos responderá.
Irene Z.P. Calaça / Universidade Federal de Goiás
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