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A festa da intimidade - Ramadão e Natal


1. Introdução.

Normalmente, tenho escrito textos que referem esta quadra como um Feliz Natal. Normalmente. Mas, será que é uma época para falar de normalidade? Ou, porém, como vamos definir um tempo normal? Quando é que a vida social tem sido normal. Será quando agimos conforme as nossas ideias e os nossos hábito e costumes? Mas, os hábitos, como os costumes, não mudam? Será que normalmente significa o que é conjuntural e heterogéneo? Não é por acaso que tenho usado essas palavras nos meus textos de pesquisa. O acaso é a normalidade. O acontece que, o a ver vamos, o que terrível dor, o sabes quê? Ou, ainda o dizem que disseram, contaram-me, não digas que fui eu... A normalidade é o comportamento conjuntural que estrategiza e manipula os feitos, ou factos- decida o leitor-, que construem o mundo social e divide o trabalho entre todos nós. Estratégia que pode cair em mãos prudentes para virar os acontecimentos em favor do povo, pelo povo e para o povo, por ser a estratégia uma actividade social do povo. Estratégia que varia conforme os objectivos a serem atingidos.
Não foi em vão que os Muçulmanos criaram o mês luar decimo primeiro. Para descansar, para sentir, para pensar, para festejar cada dia que avançava esse decimo primeiro mês e comemorar a capacidade de não comer todo um dia, não trabalhar, não amar, meditar, estar em casa em silêncio com os seus e sair à rua apenas a lua mostrava a sua face, a sua cara, o seu segredo de ter levado vivo aos céus à voz de Alá, o Profeta Mohamed. É assim que falam no Al-Corão, é assim que é ensinado nas escolas corãnicas, é assim que o comenta os discípulo muçulmano de Aristóteles, Abû Nasr al-Fârâbî, ou Avenassar por outro nome, para o mesmo filósofo aristotélico desse Século Nono da nossa era. Capaz de dizer, na sua tradução de 1964 em Beirute, que a maior capacidade do ser humano é ser social e viver em grupos largos ou Nações, pequenos ou bairros, domésticos ou famílias . Todos os quais têm uma mesma capacidade: um corpo que solicita, uma alma que organiza a procura do corpo. Um al-Fârâbî a definir nos seus textos, comentários sagrados para os diversos povos Muçulmanos, que a bondade é o bem absoluto do ser humano por revelar a capacidade de bondade que existe em quem é bondoso. Como o seu Mestre Aristóteles gostava dizer na sua Ética a Nicomaco: todo efeito tem uma causa e essa causa deve ser encontrado. Se o efeito, diz al-Fârâbî, parece ser a capacidade de viver em sociedade ou Nação -ou Gemeinschaft para nós, derivado o conceito do filósofo alemão Tönnies e usado pelo seu discípulo francês Durkheim como solidariedade mecânica ou ditada pela capacidade de se estar junto aos outro em paz e alegria e repressão pelos mesmos membros do grupo, caso a justiça não for atingida. Paz e alegria que existe ou por causa da natureza humana, ou por causa da educação que o grupo social, sem lei positiva nenhuma a comandar a vida em sociedade, acontece querer fazer por ter inteligência e saber que um sem os outros somos incapazes de sobreviver. Acrescenta o influente al -Fârâbî que essa capacidade de viver em sociedade existe por haver alma com faculdades no ser humano a permitir o uso do bem e a rejeição do mal. Porém, o mal existe se as pessoas não são corrigidas de forma fraterna e amável, como Mohamed diz que Alá. E Alá diz que o ser humano tem cinco faculdades para ser feliz, amável e conviva dos seus e da sua Nação, a Nação Muçulmana, dividida em grupos ou tribos ou clãs. Faculdades simples, como a capacidade de razoar até de forma especulativa; a faculdade de razoar por causa da experiência ou o agir pragmático entre seres humanos; a faculdade de procurar o que o corpo individual diz dentro do corpo social ao qual se pertence; a faculdade de imaginar para progredir a par e passo dos outros semelhantes sem os ultrapassar, com a confiança de que esperar é uma virtude para aprender e ensinar; e a faculdade da sensibilidade para entender o que seu grupo social já herdou dos grupos do antigamente e do Profeta que ensinou que havia em nós a capacidade de reflectir. Porém, a capacidade de entender os animais, os corpos celestes, o comportamento, a amabilidade, a solidariedade que não precisa lei, porque o Direito foi dado por Alá e o seu Profeta. Donde, Ramadão permite reflectir na base da faculdade apetitiva de querer saber e transferir o sabido por meio da faculdade de entender a experiência ou a razão prática que todo ser humano tem. Ramadão permite o silêncio necessário para essa capacidade de reflectir e debater em casa o progresso dos peregrinos de esta terra que será, de certeza, entregue a si próprio e aos outros ao se mostrar a capacidade de se ser sensível. Ramadão é a festa da intimidade de si com si e, na hora do comentário, da troca de ideias entendidas no silêncio e na abstinência do dia, abstinência de adultos e crianças, aprendizagem das duas pontas sociais do grupo. Porque essas capacidades da alma são a semente que o adulto planta na alma dos mais novos e desenvolve porque Alá é grande e sabe orientar aos seus: mal se conhece o bem, se quer fazer, fechado dentro do seu grupo social de clã, bairro ou Nação, o desenvolvimento da racionalidade da criança que leva em si a capacidade de imaginar o que o adulto diz e faz. Porém, Ramadão desde muito cedo e ao longo da vida toda. Como manda Alcorão, a palavra escrita do Profeta que falou por Alá. Quanto mais jejum de corpo e alma, maior proximidade à bondade da Divindade. E ai! De quem queira mudar estes costumes que, faz mil e quatrocentos anos andam-se a desenvolver em grupos que não precisam um Gesellschaft ou lei ou contrato ou solidariedade orgânica ou de Direito positivo, além das mãos do grupo de convívio, como hoje sabemos por Durkheim, tem existido em todos os povos. Especialmente os europeus que ele estudou a partir dos denominados arcaicos.


2. A intimidade.

Parece como se a introdução for muito cumprida. E, é mesmo assim. Do Ramadão, que precisa de intimidade, sabemos pouco ou nada. Talvez, apenas, pelas notícias da guerra que têm partido a necessária intimidade do Ramadão. Para meditar. Ou talvez, um Ramadão demasiado cumprido ao longo do tempo, quer pela invasão soviética, quer pela invasão cristã. Um jejum de introspecção e de alimentos que dificultam o semear faculdades na alma das crianças e desenvolver as qualidades das do adulto, esse que acaba por se mostrar perante os mais novos, com a incontinência da paz na alma e ensina retaliação e vingança, quer em palavras, quer em acções, quer por falta de Direito punitivo ou por falta do Direito que fica além das emoções , nas mãos de outrémm que sabe e não pune porque sim, mas porque está escrito pela mão do homem o que deve ser feito para se conviver com os outros, em presença deles, ou na sua ausência. A existência de uma solidariedade orgânica ou pensada para a interacção de grupos sociais que racionalizaram uma troca comercial faz já muito tempo. Dentro da qual cai o Natal ou o Ramadão dos cristãos que separam o Governo da comunidade social de seres humanos. O Natal é a festa da família, de comer, de orar, de trocar prendas, de lembrar a décimo segunda lua convertida em sol. O calendário cristão é romano e soube justapor à festa de Jevo ou Júpiter, a mais comemorada na época do Império Romano por ser mais importante divindade, o dia do Nascimento de Xristos ou Jesús. A variar em cada uma das formas religiosas dos cristãos. Os Presbiterianos e Calvinistas ou a maior parte da Europa do Norte, a ler o Libro de Vida ou Bíblia e comentar os Evangelhos e comer em grupos de bairro ou amigos. A dos Anglicanos da Igreja Baixa, a assistir a Igreja e comer em família. A da Igreja Anglicana Alta ou da Aristocracia, a comemorarem com uma festa religiosa e se afastar a seguir para casa e comer em família. A da Igreja Romana na Europa, a assistir a festa religiosa da meia noite e comer a seguir ou em família ou com amigos íntimos. Varia. Quando há as crianças, é o Grupo Doméstico a procurar a sua intimidade que sabe será curta ao longo do tempo, procurando um convívio de pais e filhos e, talvez avós. Ou não. Quando avós, a procurar a comemoração ou em casa ou com outros membros da sua geração. Em comum entre todas as formas religiosas cristãs, o facto que faz tempo as juntou: o comércio ou a dádiva a que ficam todos obrigados a trocar. Essa dádiva que o discípulo do invocado Émile Durkheim, Marcel Mauss, denominou a obrigatoriedade do presente que nem por isso, se faz de forma alegre ou feliz. Até as vezes, com um certo desapreço, como diz o autor invocado, nas suas conclusões, quando fala da obrigatoriedade da prenda de Natal. Essas que acabam por não serem nem dádivas nem meditações íntimas, mas sim, uma obrigação para ficar-se gessellchaftemente bem perante os outros e, eventualmente, com uma certo aprecio pela auto estima que soube cumprir o que a solidariedade mecânica manda. Mas, intimidade? Nem por isso.


3. Feliz Natal?

E como? A seguir estas ideias? A entender que nos governamos no Ocidente pelo que é mais conveniente e não pelo amor meditado? Onde os pais mais velhos são expulsos da festa familiar enquanto os mais novos cultivam sua geração ao fazer uma intimidade com eles? Ao se saber que temos lares de idosos que ardem e não têm nem licença nem seguro? Ao sabermos que houve um 11 de Setembro do 2000 a exprimir a raiva da subjugação e da intrusão dos poderosos dentro da solidariedade mecânica-orgánica dos mais tecnologicamente atrasados que estão a viver um Ramadão de mais de vinte e cinco anos de duração? Que o nosso Presidente não foi recebido pelo Buttler inglês da Nação mais poderosa de armas nucleares do mundo? Que a seguir o Natal vamos ter que cancelar o Visa a juros muitos elevados por causa da guerra? Felizes serão os que vão fugir dentro da Missa do Galo a à consoada meio pobre/meio sem prendas que vamos ter? Feliz Natal com a tristeza de sabermos que houve mortos dentro dos símbolos do poder dos Estados Unidos?
Feliz Natal? Com tanto Casal Ventoso e Orçamento Rectificativo ou como seja que se denomine à necessidade de termos moeda porque as industrias fugiram para a Europa de Leste? Com a globaalização? Amargo o real? Feliz Natal com milhões de seres humanos a não comemorarem o seu Ramadão ou porque estão a ser bombardeados ou porque pactuaram com o mundo do Natal? Feliz Natal? Só se o leitor ficar elucidado do que significa o Ramadão. E chorar com eles. Com esses que não têm o equivalente em intimidade e em reflexão, ao que os Cristãos, Romanos ou não, vão comemorar.

Raúl Iturra / ISCTE

  
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Edição:

N.º 108
Ano 10, Dezembro 2001

Autoria:

Raúl Iturra
Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa
Raúl Iturra
Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa

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