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A diferença que aproxima

Pensar, pensar, pensar...
Há dias assim. O pensamento parece não se desmanchar e, sem nos darmos conta, saltitamos de umas ideias para outras, abrindo atalhos por tempos adormecidos e lugares de afecto. Hoje, parece ser um desses dias!
Tudo começou com uma notícia na TV e com um artigo no DN Magazine. Relatavam-se aspectos da vida de mulheres de outras culturas, de outras paragens. Refiro-me às mulheres afegãs. A lista de regras a que estão sujeitas é imensa e já conhecida. Relembro algumas. É obrigatório o uso do tradicional burka, traje que as cobre da cabeça aos pés, apenas lhes permitindo ver o mundo através dum estreito rendilhado, sob pena de serem chicoteadas ou agredidas verbalmente. É proibido estudar em escolas, universidades ou qualquer outra instituição educacional. O testemunho de uma mulher vale metade do testemunho de um homem. É proibido rir, cantar, ouvir música, vestir roupas coloridas ... e tantas outras coisas, cada uma tão ou mais patética que a anterior. Tentei imaginar-me no lugar de uma dessas mulheres e foi muito, muito difícil. Apoderou-se de mim uma sensação de desconforto, de incómodo e pensei "Como será que se sentem aquelas mulheres?" Tudo isto me fez reflectir sobre as familiares paragens do Ocidente. Coleccionei algumas situações em que homens e mulheres parecem ainda não ter a mesma condição de ser humano respeitado e respeitável; na família, na escola, no trabalho, na sociedade em geral e, meia enleada no meu pensamento, perguntei-me: "Alguma vez senti tratamento desigual por ser mulher?"
Recuei no tempo e regressei à minha infância.
Nunca fui muito apreciadora de laços e fitas no cabelo (para algum desgosto da minha mãe), mas sempre me lembro de gostar de ser menina. Quando entrei na escola, o muro de pedra que separava o lado feminino do lado masculino já tinha sido derrubado. A escola da minha infância, não me deixou marcas reveladoras de diferenciação, a não ser aceitar-se mais facilmente alguns comportamentos nos rapazes que nas raparigas, por exemplo, subir às árvores ou brincar em sítios mais afastados de casa.
Enquanto jovem, nunca gostei muito de usar roupas "à senhora", mas sempre me lembro de gostar de ser rapariga. No entanto, foi nesse período que, por vezes, surgiu o pensamento "Quem me dera ser rapaz!" Para eles tudo parecia ser mais fácil: com poucas justificações tinham autorização para chegar a casa mais tarde, a maior parte das vezes não tinham que ajudar a mãe (quase exclusivamente a mãe!) a pôr a mesa, a arrumar e limpar a casa, a "ficar ao pé para ver como se faz" qualquer coisa de culinária ... Enfim! Pareciam ter uma vida por sua conta. Mas, também desta época de liceu, não recordo distinção nas oportunidades de aprendizagem.
Enquanto (pré)adulta nunca gostei de pintar os olhos nem de usar blush, mas sempre me lembro gostar de pertencer ao sexo feminino. Quando tirei o curso, elas eram muito mais que eles, mas essa desproporção numérica levava a uma atitude de maior união (diria quase protecção) delas para com eles. Aqui, parece acontecer um fenómeno contrário ao que se observa noutras minorias (étnicas, religiosas, linguísticas, culturais...). Aqui, a diferença aproxima.
O meu pensamento regressa à actualidade: desagrada-me saber da desigualdade de oportunidades ainda existente entre sexos, mas continuo a gostar de ser mulher. Enquanto professora, nunca senti nenhuma porta fechar-se pelo facto de ser mulher. E novamente me questiono: "E com os meus alunos? Será que tenho contribuído para uma consciência inequívoca da igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres?" Lembro-me, então, de um miúdo que não queria jogar futebol numa determinada equipa porque também lá estavam meninas e receio estar a deixar escapar situações a que não tenha dado a devida atenção.
Para me tranquilizar, repenso atitudes anteriores e sublinho um alerta: considera sempre os pequenos pormenores e empenha-te para que as crianças te lembrem não como alguém que fez diferenças, mas como alguém que fez a diferença.
E foi preciso o meu filho repetir que tinha acabado de fazer o jantar para eu interromper os links do meu pensamento. Eu não disse que hoje era um daqueles dias!...

Betina Astride
Escola EB 1 nº 1 de Montemor-o-Novo
betina@minerva.uevora.pt

  
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Edição:

N.º 107
Ano 10, Novembro 2001

Autoria:

Betina Astride
Agrupamento Vertical de Montemor-o-Novo
Betina Astride
Agrupamento Vertical de Montemor-o-Novo

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