Embora isso não aflore de uma forma muito evidente em tudo quanto constitui
a abordagem mediática do ataque terrorista às torres do comércio mundial e ao
bastião do poder militar dos Estados Unidos, não faltam sinais de que há uma
questão central que subjaz a toda esta catástrofe: a questão do modelo de formação
e educação dos seres humanos e do respectivo controlo do processo de desenvolvimento...O
espanto do mundo perante o que aconteceu nos céus de Nova Iorque e do Pentágono
não está tanto na ousadia desmesurada dos processos utilizados, só proporcional
às facilidades concedidas aos autores dos atentados para levar a cabo a sua
missão. O espanto do mundo, o que verdadeiramente torna impotente a razão do
mundo ocidental é o facto de, em plena afirmação dum modelo de desenvolvimento
que se apoia na ideologia do bem-estar individual e no sucesso material, irromper
fulminante o triunfo do suicídio militante, vivido e acalentado ao longo dum
processo de formação em nome da vitória prometida duma ideia. Porque é preciso,
liminarmente, admitir que estamos face a um processo de formação que, como qualquer
processo de formação, supõe um sistema de valores que se organiza em torno de
uma ideia.
Que "ideia" será esta?
Temos vindo a assistir, através dos meios de comunicação, a um gigantesco processo
de condicionamento cognitivo no sentido de que saia favorecida a tese de que
não há um choque civilizacional entre o mundo ocidental e o mundo islâmico.
Compreende-se a preocupação de fazer vingar esta tese, porque para além de permitir
pensar as relações internacionais como sendo regidas por regras jurídicas livre
e mutuamente estabelecidas, reduz o carácter dos antagonismos políticos, económicos
e culturais a questões particulares de natureza religiosa que, como tais, devem
ser afastadas das relações entre estados.
Nestes termos, a "ideia" que está por detrás do terrorismo islâmico presta-se
com alguma facilidade a ser interpretada como uma expressão extrema duma seita
de fanáticos que não poderão ser admitidos no concerto das nações. Este tipo
de explicações que se socorre da figura do fanatismo como forma de responsabilizar
os comportamentos alheios quando eles são incompatíveis com os nossos são frequentemente
os mais confortáveis para nós essencialmente por duas razões: poupam-nos às
questões de saber em que medida nós próprios colaboramos no "fanatismo" deles
e justificam as medidas correctivas ou puramente exterminatórias que contra
eles gostaríamos de adoptar.
É evidente que depois do crime sem nome que ocorreu a 11 de Setembro, é-nos
muito difícil aceitar que a "ideia" do suicídio militante contenha alguma "nobreza"
de princípios. Mas está aí a principal ameaça do mundo ocidental: a vida por
uma causa, sabe-se lá se milhares de vidas...
Quanto tempo terá de passar e quantas transformações terão de ocorrer até que
a vida valha por si?
Manuel Matos
Universidade do Porto
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