O que é isso de indiferenciação? O que é isso de homogeneização? O que
é isso de globalização?
À medida em que vou assistindo a crescentes ondas de injustiças, de falta de
respeito pelas liberdades individuais e colectivas, de exclusão/discriminação
em nome do bem estar (da segurança?) da humanidade, em mim cresce também um
desprezo pelas razões em nome das quais se cometem crimes horrendos, se tecem
teias tenebrosas a que ousam chamar redes de solidariedade.
Ou és por mim, ou contra mim! Estamos no século XXI e ouvimos os senhores da
guerra armados em senhores da paz e, afinal, adeptos indefectíveis da seita
criada no século III por Maniqueu. E repetem, repetem, até rebentarem com os
ouvidos que ainda estão sãos!
Quereria, nesta coluna, fugir à tentação de fazer qualquer referência aos acontecimentos
que recentemente têm sido pasto dos rebanhos famintos de notícias da vida real.
Um parênteses para prestar homenagem a muitas vozes, sobretudo na comunicação
escrita, que opinam a propósito, com seriedade, com respeito, com inteligência,
com sentido de visão não perturbada. Voltando ao propósito que vou trair e já
que o grande espectáculo que responde às imagens de 11 de Setembro, que atrapalharam
a minha confusa mente na distinção entre o real e o virtual, ou melhor, o surreal,
aqui deixo umas reflexões. Porque "the show must go on". Assim
dizem os grandes chefes: o do outro lado do Atlântico não surpreende demasiado
por manter o papel que assumiu no circo deste planeta; o da grande ilha do continente
europeu leva a alguma perplexidade por dar a noção de que lê guião não construído
por si próprio.
E ainda há a juntar as gafes monumentais saídas de Itália e as reuniões
internas dos peões que deveriam ser torres, na devida dimensão, naturalmente.
Não tenho estatuto que me leve muito mais longe, pelo menos, especulando num
órgão de informação que me merece o maior respeito, a nossa Página da Educação.
Centrar-me-ei num ponto de toda esta cena que vem de longe e caminha devagar.
É preciso que a Escola saiba que, enquanto por cá nos vamos assustando com discriminações
implícitas e explícitas entre os portugueses, mais ainda as portuguesas, em
coordenadas longínquas no espaço mas aqui ao lado na terra dos valores, há regimes
político/religiosos em que para as mulheres é crime ler ou escrever, em que
nas sucessivas guerras civis elas nunca foram contabilizadas nas razias, nos
assassínios e nas violações.
A todos os homens e mulheres é retirado o direito de cantar, de tocar, de ouvir
música.
O tempo, todo o tempo dos homens deve ser consagrado ao trabalho e à oração.
As mulheres são obrigadas a viver em clausura, só podem sair à rua acompanhadas
pelo marido, pai ou irmão, sob pena de serem chicoteadas e, mesmo assim, vestidas
dos pés à cabeça com a burqa, o saco de serapilheira gradeado à altura
dos olhos. É-lhes proibido ter qualquer emprego e não têm o direito a serem
tratadas nos hospitais. A adúltera é apedrejada até à morte.
Pois, isto é só uma pontinha do véu!
Deixo-vos com o início e a parte final de uma carta que José Manuel Barata-Feyo
dirigiu às "Exmas Senhoras e Raparigas do Afeganistão" ... "No curto
espaço de tempo em que a chapa de silêncio e de obscurantismo que vos esmaga
estiver levantada, e antes que de novo vos caia em cima a chapa da nossa indiferença,
podeis por favor dizer-me como é que se pode ser mãe de um Taliban e gostar
dele como de um filho?"
Iracema Santos Clara
Escola E.B. 2/3 Dr. Pires de Lima
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