11 DE SETEMBRO DE 2001, O DIA DOS ATENTADOS IMPOSSÍVEIS!...
28 anos depois do derrubamento sanguinário do Governo socialista de
Salvador Allende (democraticamente constituído, na sequência de sufrágio eleitoral
nas urnas), pelo golpe de Estado fascista de Pinochet, no Chile.
De todas as máquinas, a `Máquina humana' é a mais difícil a complexa de dominar.
E só há uma maneira genérica de o fazer: é nunca sequer cair na tentaç?o de
a dominar.
Em mensagem escrita, dirigida ao Congresso (26.4.1984), o próprio Ronald
Reagan, presidente dos USA, (o conhecido combatente maniqueísta do 'Império
do Mal' !...), reconhecia que "o terrorismo é um sintoma de problemas mais vastos"
a que, para o combater com eficácia, se tornava indispensável "extirpar as fontes
de frustração e de desespero, que são o terreno onde desabrocha e se alimenta
o terrorismo".
O ATAQUE AO IMPÉRIO
"(...) Mas os cristãos... não confundiram, também eles, política
e religião, até há bem pouco tempo, até ao advento das democracias após a
II G.M., e, mesmo depois do 25 de Abril, em Portugal, não assistimos nós ao
alinhamento de padres e leigos contra os supostos comunistas, alegadamente
em nome da sua condição de cristãos?!... (...)"
Um dia de viragem no Mundo!... Foi sob esta bandeira que a quase totalidade
da Imprensa (a nível nacional e mundial...), tanto falada como escrita, considerou
e tratou, mais ou menos criticamente, os divulgados e conhecidos acontecimentos
na América. Veja-se, por todos, o jornal diário 'Público', que, na sua edição
de 12 de Setembro de 2001, titulava o ocorrido em letras garrafais: 'O ATENTADO
QUE MUDOU O MUNDO'!...
Ao fazermos o balanço, ainda que 'a quente' (...), não é difícil concluirmos
e postularmos que este será um dia de Viragem, na história contemporânea do
Mundo: a partir daqui, muitas coisas serão diferentes, nas arenas internacional,
nacional (de cada país) e mundial. Houve, igualmente, quem dissesse, com senso
a razão crítica bem informada e enformada: Isto estava previsto!... E, para
postular um tal enunciado, não é preciso estar dentro ou ser cúmplice do(s)
clube(s) dos terroristas, que desencadearam o Atentado, nem ser cidadão dos
Estados que eventualmente apoiaram os terroristas. Basta tão só dar-se conta
crítica do modo como o processo de globalização/mundialização neoliberalista/capitalista
tem sido conduzido e ter igualmente em conta a orientação exasperada e altamente
controversa que a Administração Bush (júnior) tem imprimido às negociações para
a paz no Médio Oriente, entre israelenses a palestinianos.
Dir-se-á, assim, que a partir desse dia fatídico, o mundo jamais será como dantes.
E afoitamente se dirá, também, que, a dizer toda a verdade, ninguém terá razões
válidas e legítimas para se orgulhar do ocorrido, apesar das alegrias e dos
festejos ostentados, segundo as imagens televisivas, por alguns grupos em Beirute
ou na Palestina. E ninguém se poderá orgulhar da tragédia, porque, desde logo,
os supostos atacantes activos foram os primeiros a quem o tiro saiu pela culatra,
enquanto kamikazes . Nunca, em circunstância alguma, é antropologicamente
aconselhável pagar um mal moral com outro mal moral. Por isso mesmo, o terrorismo
deve ser denunciado e combatido, em todas as circunstâncias, mas sempre pelos
meios próprios a adequados.
Nem é sequer exacto dizer que um grupo terrorista declarou guerra aos Estados
Unidos (cf. 'Público', cit., p.3). Os factos hediondos e trágicos foram a única
linguagem utilizada. Em tais situações a acusação de cobardia é só ao forte
que pertence, diante do fraco. Em resultado dos ataques, terão morrido milhares
de pessoas. E não foram usadas bombas nem mísseis balísticos!... As armas utilizadas
pelos terroristas foram aviões com passageiros dentro, por eles desviados e
atirados contra os edifícios. O Presidente Bush, ministros e dirigentes políticos
foram levados para lugar secreto. A cabeça e o coração da América viram-se,
num instante, ajoelhados e reféns dos terroristas!...
Chris Patten, comissário europeu para as questões externas, terá feito sobre
os acontecimentos a síntese crítica mais acertada: "Este é um dos raros dias
sobre os quais se pode dizer sem risco de exagero que mudaram o mundo".
O modo selvagem e bárbaro e aparentemente inopinado como o Ataque foi levado
a cabo demonstra, à saciedade, que "os Estados Unidos, se quiserem sobreviver
nesta nova era de guerras travadas no campo do mais puro terror, têm, não só
de entender melhor o verdadeiro peso dos conflitos com que lidam (o Médio Oriente
em particular), mas de aceder à cooperação com outras democracias, de modo a
restaurar um mínimo de dignidade humana, num mundo onde ameaça imperar a barbárie.
As imagens de gente feliz, ao saber dos atentados que mataram um número ainda
incalculável de inocentes em território americano, é disso exemplo. Que nos
devia envergonhar a todos e nos devia fazer reflectir sobre o estado miserável
a que chegámos. Não se trata já de apoiar facções adversas em guerra aberta,
de atacar ou condenar países onde a violência é lei, mas sim de festejar a morte
de milhares de inocentes a troco de nada. Apenas de uma ignominiosa ideia de
vingança, que só nos conduzirá, a todos, ao abismo" (Nuno Pacheco, ibi, p.5).
Que as coisas irão mudar será, certamente, um Facto indesmentível... O que resta
saber é qual a Orientação ou leque de orientações que o Processus vai
assumir: se em direcção a uma maior democratização dos Estados e dos Povos,
se rumo a uma fascização crescente das Sociedades e dos Estados (que está em
curso desde o fim da 'guerra fria' ), a nível nacional e mundial. O 'Big Brother'
vai avolumar-se incomensuravelmente... ou a autonomia, a abertura confiante
e a Liberdade Responsável dos Indivíduos/Pessoas, cidadãos, vão ter uma nova
oportunidade, por forma a que o fosso entre ricos e pobres, poderosos e desesperados,
opressores e oprimidos, seja cada vez mais colmatado, e não aprofundado e exasperado,
como tem acontecido até ao presente?!...
No seu tempo, há cerca de 40 anos, John F. Kennedy gostava de utilizar e brandir
frequentemente o slogan: O que não se resolve pela via diplomática é a Guerra
que o vai resolver!... Aí implícita, está também a realidade do capitalismo
moderno que, em última análise, não é outra coisa senão a estratégia de fazer
sistematicamente a guerra por outros meios mais sofisticados: em vez das armas,
os meios da economia e das finanças (evoquem-se, a título paradigmático, as
multinacionais e os seus 'instintos' de pilhagem e rapina, que só pregam e exigem
o mercado para o destruir!...).
Nos dois dias que se seguiram ao Atentado, as trombetas da Grande Imprensa não
se cansaram de tocar as teclas seguintes: - urgir a retaliação na sequência
das primeiras palavras de G.W. Bush, patenteando o orgulho ferido dos norte-americanos;
- identificar os culpados e os responsáveis do Atentado, agarrando logo a 1ª
figura à mão, a saber, o conhecido chefe árabe/dissidente dos fundamentalistas
terroristas islâmicos, Osama bin Laden. Entretanto, também o Chefe do Gov. do
Afeganistão se apressou a descartar todas as responsabilidades eventualmente
concernentes a uma possível protecção ou cumplicidade com bin Laden...
Neste contexto, a verdadeira 'guerra' desencadeada pela Economia globalizada
do neocapitalismo predador passou para último plano das considerações. Os U.S.
assumem o Atentado (sem prestar atenção às inevitáveis cumplicidades internas
- ou mais que isso..., como já acontecem em 1995 com McVeigh, em Oklahoma City),
como se de uma declaração de guerra formal se tratasse; e parece tudo encaminharem
para um processo de guerra entre Estados, sem cuidarem do seu próprio 'radicalismo'
político praticado ultimamente no conflito entre Palestinianos e Israelenses.
Como se pode estranhar que bin Laden e outros terroristas muçulmanos considerem
os USA e o Estado de Israel como 'o Grande Satã'?!...
Entretanto, uma 1ª mudança de estratégia começa a desenhar-se: a política dos
E.U.A., que definiu a retaliação como resposta necessária, começa a aceitar,
não só a solidariedade dos passes da NATO, como também a solução de uma Resposta
retaliativa, que deverá ser dada à escala do Pacto do Atlântico Norte, e, para
o efeito, não se esquecem de invocar (os aliados e os E.U.A.) o art° 5° do estatuto
fundador do Tratado de Washington/1949. Será caso para nos interrogarmos já:
Com toda esta leviandade e precipitação das solidariedades a 'quente', que resultados
e consequências vão advir daí?!...
Argumentam os políticos in charge norte-americanos (e não só...) que
são as liberdades dos cidadãos do mundo civilizado que se encontram em causa.
Os discursos do Presidente Bush e do Chefe do Governo inglês, Tony Blair, têm
afinado intensamente por esse diapasão. Que se pode esperar, nesta circunstância,
e com tal grelha avaliadora? Para se defender dos terrorismos correntes, os
Estados vão apertar cada vez mais as suas tenazes de vigilância e policiamento:
em suma, vai intensificar-se o 'terrorismo de Estado' para responder aos terrorismos
avulsos (ainda que coordenados...), espalhados pelo Mundo!...
Não se dá conta que, neste Labirinto de Creta infernal constituído pelo capitalismo
moderno, é chegada a hora de sabermos que só há respostas válidas e fecundas
se começarmos a descobrir e a pegar directamente nos cornos do Minotauro?!...
O primeiro impulso que assomou, aos responsáveis políticos da Administração
norte-americana, foi o da guerra punitiva: é preciso caçar e punir os responsáveis
terroristas... e castigar, igualmente, os países que tenham dado guarida aos
terroristas... E se um ou o 1° de tais países for os U.S., caso as averiguações
o venham a comprovar?!...
Foi, sem dúvida, o maior Atentado terrorista de que há memória, e o de consequências
mais graves e alargadas. Quem acompanhou as imagens e os relatórios e reportagens
nos diferentes canais televisivos pode testemunhar e comprovar o que foi afirmado
por muitos. Nova Yorque sem água, sem electricidade e sem comunicações!... Em
resultado do desvio suicidário de 4 aviões levado a cabo por piratas do ar!...
'Ataque contra a Democracia a contra a Civilização' - foi assim que o caracterizou
Tony Blair; o Secretário de Estado norte-americano, Colin Powell, não se esqueceu,
também ele, de fazer a sua profissão de fé na Democracia!...
Que efeitos, em disjuntiva, vão resultar da presente situação de crise, se tudo
continuar a ser avaliado e decidido segundo a Gramática política tradicional?!
O Projecto de formação e constituição do vero e autêntico Estado mundial, organizado
de modo democrático a partir da O.N.U., vai ficar cada vez mais afastado e adiado
para as calendas gregas. A democracia das Nações Unidas vai dissipar-se numa
miragem longínqua!... A vera a autêntica Justiça - que só pode fazer caminho
e tomar corpo de baixo para cima, e não de cima para baixo, indutivamente, e
não dedutivamente, vai continuar estigmatizada para o mundo dos impossíveis,
- situação que nos fará gritar, desesperadamente, o refrão de Chico Buarque:
'O que não tem remédio'!... Um mundo desumanizado e desumano, que não mais terá
remédio...
Depois do términus da 'guerra fria' em 1989 e a partir da 'guerra em directo'
do Golfo, 1991, a política exterior dos U.S. tem-se pautado pelo isolacionismo
e pelo unilateralismo, os quais se poderão dizer típicos de uma super-potência
mundial, que tomou consciência da sua situação de única sobrevivente, sem rival.
Foi com estas características que o Pentágono fez a 'guerra do Golfo' e, depois,
a da Bósnia, e a seguir, a da Jugoslávia/Kosovo.
Surpreendentemente (ou não!...), agora, as Autoridades políticas norte-americanas
aguardam e acolhem e solicitam, com simpatia, a colaboração e a solidariedade
dos Aliados e dos países da OTAN. Indícios prenunciadores de que a atmosfera
está mudando, no concernente à arrogância e ao isolacionismo da única super-potência
mundial, ou apenas jogo de diversão para legitimar, o mais amplamente possível,
a resposta bélica ao terrorismo oculto, avulso e generalizado?!... Só o futuro
poderá responder cabalmente a um tal dilema.
Desde logo, as interpretações oficiais, ditadas no patamar do 'politically correct',
foram no sentido de que tudo se passa e configura no terreno da guerra declarada
(como se a economia política capitalista de todos os dias não fosse uma 'guerra
diária', que não é declarada pelos Poderes estabelecidos...). Até os poderes
políticos da Rússia (Putin) e da China (Zémin) já se apressaram a fazer as suas
declarações de solidariedade, certamente e antes de tudo, para evitar as possíveis
suspeitas de qualquer homizio !...
A gramática do Raciocínio político, enquadrado na Cultura do Poder-dominação
d'abord , é sempre a mesma: No caso concreto - argumenta-se -, o ataque
dos terroristas foi às Democracias ocidentais, não, propriamente aos E.U.A.,
enquanto baluarte real do neocapitalismo mundial.
E vai ser através deste puro sofisma que, muito provavelmente, se poderá vir
a desencadear a vera III G.M., polarizada entre o suposto Ocidente cristão dito
democrático, dum lado, e do outro, os terroristas/fundamentalistas islâmicos
e o Islão. E, então, quem veio a avisar, de há ca. de 30 anos a esta parte,
que as futuras guerras seriam marcadas pelo factor Religião, pelo menos, em
aparência, não andou enganado.
Contudo, serão tais guerras verdadeiramente guerras de religião, ou tão só mascaradas
de religião?!... Do Islão se pode dizer e argumentar, a partir do próprio Corão,
que ele é e quer ser uma religião de paz; mas de vários grupos a movimentos
muçulmanos se pode dizer que querem a 'guerra santa' (a jihad islâmica),
na medida em que, confundindo política e religião, eles pretendem resolver (desesperadamente...)
problemas e situações políticos, com meios e instrumentos da religião islâmica!...
Mas os cristãos... não confundiram, também eles, política e religião, até há
bem pouco tempo, até ao advento das democracias após a II G.M., e, mesmo depois
do 25 de Abril, em Portugal, não assistimos nós ao alinhamento de padres e leigos
contra os supostos comunistas, alegadamente em nome da sua condição de cristãos?!...
Na contenda actual, que se desenha no horizonte, em resultado do Atentado terrorista
aos Poderes políticos e financeiros da América, (o que, sem dúvida, abalou o
Mundo), tememos seriamente, por conseguinte, que não venham a ser as Liberdades
cívicas e a vera Democracia que irão ser defendidas e asseguradas, face à barbárie
e aos novos vândalos do terrorismo internacional. Pelo andar da carruagem, o
que se vai defender e assegurar, antes de tudo, são os poderes políticos e económico-financeiros
estabelecidos. O significado político das retaliações é, e será sempre, inexoravelmente,
a defesa e a preservação do Poder-dominação d'abord e respectiva Cultura
estabelecida. A História dos vencedores tem-no demonstrado sobejamente!... Vae
victis! ...
Nesta óptica, é evidente que o fosso entre os ricos e os pobres, entre os
opressores e os oprimidos, entre os poderosos e os senhores do mundo, dum lado,
e do outro, os desesperados e os deserdados da Terra, esse enorme fosso aberto
será cavado e alargado cada vez mais.
Ora, não será, justamente, esta a situação crítica azada para nos fazermos perguntas
tão simples e elementares como as seguintes: - Por que não se aproveita a ocasião
para dar criticamente início ao processo da necessária e absolutamente indispensável
formação/constituição de um vero e autêntico Estado Mundial, organizado democraticamente,
na esteira do conhecido projecto cosmopolita de I. Kant?! - Por que não se aceita
(como condição sine qua non para o referido Processo) a situação estrutural/estruturante
da igualdade jurídica de todos os Estados perante a Lei internacional/mundial,
banindo de vez aquela ideia bizarra e anatematizante dos 'Estados párias', que
gera logo à partida exclusão e condenação de uns em benefício de outros?! -
Por que não se reformulam e reestruturam os Organismos da O.N.U., segundo uma
gramática política genuína e reconhecidamente democrática?!
A propósito da actual situação de crise, decorrente do referido Atentado terrorista,
houve quem preconizasse (v.g. o Presidente Putin, da Rússia) o recurso ao Conselho
de Segurança das Nações Unidas. Porventura, em alternativa ao recurso jurídico-legal
do art° 5° do Tratado de Washington.
Na esteira do que asseverou e reclamou Francisco Louçã, em nome do Bloco de
Esquerda (noticiário das 13H., Antena 1, de 13.9.01), é necessário e urgente
estabelecer com clareza:
1° - Pela simples decorrência do 'Atentado que abalou o Mundo', não nos encontramos
em guerra declarada (a menos que por GUERRA 'sem declaração' se entenda o status
quo quotidiano da contemporânea economia capitalista globalizada...).
2° - Por essa razão, não é de todo líquido que se possa considerar legítima
a invocação do art° 5° do Tratado da NATO para impor aos Estados membros a obrigação
moral de entrar em guerra com os U.S.A., com o objectivo de debelar e castigar
o terrorismo mundial. (Se houve agressão e ataque - e foram sem dúvida repugnantes
e hediondos - não houve invasão do território norte-americano).
3° - Uma tal solução, pretensamente moral e solidária, e uma tal orientação
das políticas nacionais/mundiais abririam caminho, no séc. XXl, não só à triste
e trágica sobrevivência da regra geral do terror e da desconfiança de todos
contra todos, como também à própria destruição, in nuce, de todos os
regimes que se pretendam autenticamente democráticos e, no fim de contas, obrigariam
a lançar aos infernos todos os projectos e tentativas de edificação da Paz,
enquanto obra e fruto da Justiça.
Em suma, quando é que o 'sangue frio' e a sensatez hão-de assomar aos palcos
da Política internacional-mundial?! Quando é que as Democracias ocidentais hão-de
deixar de ser, justamente, tratadas como uma farsa e uma impostura?! Quando
é que as Religiões institucionalizadas (todas elas...) hão-de deixar de ser,
clássica ou barrocamente, aproveitadas pelos políticos e pelas doutrinas políticas,
para levarem a água ao seu moínho?! Em resumo, quando é que há-de começar a
emergir a vera Cultura sócio-antropológica da Liberdade Responsável primacial
a primordial, - e essa, muito justamente, em oposição frontal à sempiterna Cultura
do Poder-dominação d'abord ?!
As veras lições dos trágicos acontecimentos ocorridos na América no fatídico
Dia 11 de Setembro de 2001 (o 'segundo Pearl Harbour'!...) devem ser extraídas
e identificadas por filósofos e até teólogos e por historiadores capazes de
praticarem metodologias interdisciplinares fecundas. Os políticos de carreira
ou de profissão, em suma, a chamada 'classe política', são, de facto, os que
se encontram em pior situação para o fazerem. Por definição.
Mas, afinal..., poder-se-á dizer que tudo começa com a doutrina paulina do pecado
original, com a separação entre a 'carne' ou matéria e o 'espírito' e a teoria
da salvação/redenção operada por agente exterior... "Eu deleito-me com a lei
de Deus, no mais fundo de mim mesmo, mas vejo nos meus membros outra lei em
guerra com a lei da minha mente e tornando-me cativo da lei do pecado que habita
nos meus membros" (Rom. 7, 22-23). Ora, para encontrar a vida, não temos outra
saída senão 'lançar à morte' tudo o que são basicamente interesses e ocupações
do corpo (Rom. 8, 13). Paulo solicita aos crentes tão-só que renunciem aos actos
de vingança, não lhes veta a esperança de ver um dia essa vingança executada
pela 'mão de Deus' (Rom. 12, 19). O Sermão da Montanha, nos evangelhos sinópticos,
além da condenação dos actos, até a raiva e o desejo de vingança nos exige que
abandonemos!...
O dualismo metafísico de Paulo é sobejamente óbvio e o Ocidente dito cristão
tem experimentado bem, ao longo de dois mil anos, as suas consequências terríveis
e nefastas... "Se viverdes segundo a carne morrereis; se, porém, mortificardes,
com o espírito, os factos da carne, vivereis" (Rom. 8, 13). "Que homem infeliz
eu sou: quem me há-de libertar deste corpo de morte?" (Rom. 7, 24).
Até quando havemos de viver na galáxia do Cristianismo paulino?!...
[ II parte no próximo número ]
Manuel Reis
Guimarães
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