Já antes tinha passado por Londres, mas a primeira vez que
cheguei a Inglaterra para me instalar foi em Setembro de 1996. Fiz um mestrado
num ano lectivo e voltei para Portugal. Passou mais um ano lectivo e voltei
a Leicester, a cidade que acabaria por ser a minha segunda terra por mais três
anos, desta vez para fazer um doutoramento. Foi durante este tempo que se fizeram
os Cadernos de Leicester.
Na hora da despedida, esta é também a altura de fazer o balanço. Os artigos
que fui escrevendo neste espaço foram muitas vezes reflexo de coisas que vi
e que senti ao longo desses três anos. Parece-me que esta é a altura para sistematizar
as coisas boas e das coisas más que encontrei em Inglaterra. Porque Inglaterra
não é Londres e muito menos o Hyde Park, o Piccadilly Circus, o Covent Garden
ou a Oxford Street que os turistas conhecem. A Inglaterra profunda que eu às
vezes vi não tem nada a ver com isso.
A primeira coisa que me impressionou pela positiva foi o facto de uns 80 por
cento dos passageiros do autocarro agradecerem ao motorista quando saem na sua
paragem. Quase sempre, o incansável motorista retribui o agradecimento a cada
passageiro. Ainda em termos de civismo e de transportes, os limites de velocidade
nas auto-estradas inglesas raramente são ultrapassados. Os condutores ingleses
são muito mais conscientes do que os portugueses, tenho que o dizer.
A multiculturalidade que vê em certas zonas do país é fantástica. Leicester
é a cidade inglesa com a maior comunidade indiana. Mas, para além disso, e por
causa da Universidade, vê-se gente de todo o mundo, desde a Àsia até à América
latina. Confesso que fiquei fascinada por ter amigos do Iemen, Singapura ou
Ucrânia. Aprendi muito. Sobre tradições de outras gentes, sobre hábitos alimentares
diferentes, sobre religiões que me eram estranhas. O meu mapa-mundo compôs-se
um bocadinho mais e aprendi lições de história contadas na primeira pessoa.
Em Inglaterra, ser de famílias modestas não significa que não se pode tirar
um curso superior. Está mais do que vulgarizado o esquema do empréstimo para
formação superior, que é pago quando o jovem começa a trabalhar. Por outro lado,
o acesso ao mundo do trabalho é muito mais justo. O recrutamento faz-se pura
e simplesmente por anúncios. Nunca ouvi falar de cunhas e tenho muitos amigos
que ficaram a viver e a trabalhar em Inglaterra, alguns deles em excelentes
empresas.
As campanhas de solidariedade ou as lojas de artigos usados para angariar fundos
para as mais determinadas causas são outra das coisas boas que encontrei em
Inglaterra. Sobretudo a classe média está muito sensibilizada para questões
como o cancro ou a fome em Àfrica. A solidariedade e o voluntariado estão muito
mais difundidos do que em Portugal.
Os jardins e o "country-side" são das coisas mais bonitas que se vê em Inglaterra.
E não só têm muitos jardins como os usam. Mesmo com um frio de rachar, os ingleses
gostam do ar livre. Claro que adoram sol, mas se ele não espreitar, os jardins
não deixam de ser desfrutados. E como o sol é pouco, umas férias em países quentes
são o sonho de muitos ingleses. O bom disto é que, por pouquíssimo dinheiro,
vão à Grécia, Espanha ou Portugal. As férias estão, por isso, ao alcance de
quase todos.
O que é mau, às vezes mesmo muito mau, é o sensacionalismo dos "tablóides".
São verdadeiramente irritantes, mas uma grande parte dos ingleses gosta de os
ler. Talvez para se esquecerem do capacete cinzento que quase sempre cobre o
país ou para não pensarem muito na vida difícil que levam, pelo menos muitos
deles. Os grandes ordenados são limitados a uma minoria e, pelo país fora, vê-se
muita miséria, ao contrário do que pensa muito boa gente.
Apesar da solidariedade de muitos ingleses, os sem-abrigo já não vivem só em
Londres. Em praticamente todas as pequenas cidades há gente a viver nas ruas.
Dizem-me que muitos deles foram postos na rua pelos próprios pais. Porque em
Inglaterra é muito comum a ideia de que os pais só têm obrigações perante os
filhos até aos 18 anos. Depois disso, que se empreguem ou que peçam os tais
empréstimos para estudar. Por outro lado, indiferença pelo outro é também assustadora.
Havendo um problema na rua, ninguém se envolve.
Finalmente, a "famosa" gastronomia inglesa. Não existe. Têm umas "pies" que
não se percebe por que são especiais. Têm umas "steak houses" que grelham umas
carnes de sabor duvidoso. Depois vêm as "jacket potatoes" (batatas recheadas)
e os "fish and chips" (filetes com batatas fritas), a comida rápida que às vezes
até não é má.
Em resumo, é isto. Mas eu gostei, muito. E recomendo, claro!
Hália Costa Santos
Universidade de Leicester
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