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Texto de guerrilha para acabar com as BIG ESTRELAS (ou o Bar da TV ou o que mais há-de vir)

Não. Não se trataria de uma receita, remédio ou mezinha destinados a «fazer desaparecer» os concorrentes ? estes ou quaisquer outros ? os apresentadores, ou todos juntos, incluindo os produtores ou mesmo os dirigentes das estações de televisão. Também não se trataria de propor «medidas legislativas no sentido de regulamentar actividades no âmbito de ... etc., etc.», embora se reconheça que as «autoridades» têm de fazer «qualquer coisa» ...

Os concorrentes e os apresentadores? Cada um ganha a vida como pode, seja a vender pensos rápidos na rua, seja a fazer programas de televisão. Leis e patrões? Nunca se deram lá muito bem. É o que nos mostra a História. De que se trataria então?

Tratar-se-ia, para começar, de fazer um esforço, um esforço enorme para compreender. Esforço de quem? De todos nós, mas em especial dos comentadores de televisão, dos analistas, dos sociólogos, dos académicos e até dos políticos (ou sobretudo dos políticos!). Para começar ? o que implica um caminho, uma via, o que se quiser. Tratar-se-ia de ir mais longe do que até agora. Mais longe do que «comentar» os interesses dos concorrentes, dos apresentadores, etc. Porque falta compreender um dos lados da questão, o mais vasto, o que tem provavelmente contornos menos definidos, aquele que só se vê através de um número estatístico, variável, em colunas de audiometria: 1,9, ou 2,1, ou outro número qualquer, isto é, quase dois milhões de pessoas. Seria um estudo que iria mais longe do que a ideologia; seria um estudo que entraria no campo da teoria, ou melhor, um estudo que proporia uma teoria. Esse estudo, que seria sem dúvida de longa duração, poderia começar com uma pergunta: por que é que programas deste tipo «funcionam»? Ou: por que é que programas deste tipo têm um «funcionamento garantido» independentemente dos concorrentes ou dos apresentadores? Por que é que as estações de televisão fazem «funcionar» estes programas? Seria um pergunta semelhante à que fazem os sociólogos, por exemplo, quando estudam a verdade e a mentira e se perguntam por que é que uma mentira «funciona», ou «funcionou» durante tanto tempo. E depois seria necessário procurar uma resposta. E talvez que essa resposta não andasse muito longe desta: esses programas têm um «funcionamento garantido» porque «têm uma base social de apoio que vai muito para além dos concorrentes e dos apresentadores»; como se nota logo, é uma resposta do tipo das que dão os analistas políticos para a política, quando, por exemplo, procuram analisar «quem vota em quem». Parece uma resposta evidente, mas não é. Por outras palavras, parece uma evidência, mas por isso mesmo, por ser evidência não requereria um cuidado muito especial? Este poderia ser um bom método. É que este «lado da questão» continua por estudar (apesar de alguns ? poucos ? honrosos esforços). Mas não será este precisamente o «lado essencial»?

Em Novembro passado realizou-se na minha escola um colóquio que tinha como tema a formação do carácter. No período do debate, e perante a anuência de uns, e a estupefacção de outros (da maioria, diga-se, com alívio!), um dos «encarregados de educação» presentes discordou da forma negativa como o conferencista se tinha referido ao Big Brother (no auge das audiências, na altura, se não estou em erro). Para aquela «encarregada de educação» os concorrentes deveriam «merecer todo o nosso respeito» (sic). Esta senhora de quem não se duvida de que seja boa «encarregada de educação» estava sentada ao lado do filho, aluno da escola. Na sala havia outros pais, professores e alunos. Compreende agora o leitor um pouco melhor o meu ponto de vista? É necessário um estudo com objectividade aprofundada. Quem são estes dois milhões? Irão ou não «reproduzir» outros dois milhões?

O articulista (ego) poderia ter intitulado este texto do seguinte modo: PARA ACABAR DE VEZ COM AS BIG ESTRELAS. Mas não. Não se pode acabar «de vez» com programas deste tipo. Outros virão, e é de pensar que ainda não vimos tudo.

Quais são então as tarefas? Já vimos o que poderíamos fazer para começar. E depois? Resposta muito difícil. No anterior número de «A Página», Jacinto Rodrigues deu-nos um belíssimo texto sobre a Utopia. Mostrou-nos um outro «modo de produção», como diriam os marxistas e como eu gostaria de dizer.

Exactamente! ... Não. Não há receitas, nem remédios nem mezinhas. A resposta estará aqui: só numa Sociedade Outra, para não repetirmos expressões um pouco estafadas. Será para o nosso tempo? Continuo a pensar que sim. Pela parte que me toca há muito que ando vestido de guerrilheiro.

Este texto que A Página benevolentemente acolhe é, para mim, já por si só, uma acção de guerrilha. Falta-me só lançar mais uma granada e não é de fumo: Protocolos entre estações de televisão? Alta autoridade para a comunicação social? Deixem-me rir ...

Guilhermino Monteiro
Escola Secundária José Macedo Fragateiro - Ovar

  
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Edição:

N.º 104
Ano 10, Julho 2001

Autoria:

Guilhermino Monteiro
Escola Secundária do Castêlo da Maia
Guilhermino Monteiro
Escola Secundária do Castêlo da Maia

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