Uma aluna francesa de onze anos foi recentemente suspensa da
escola, perto de Narbonne, por trazer um "piercing" na sobrancelha
e usar o cabelo colorido. De acordo com o director, a aluna apresentou-se "não
conforme às regras internas do estabelecimento de ensino" e por
causa disso ficou em casa durante oito dias. "O uso de um "piercing"
numa criança de onze anos é um sinal discriminatório, um
objecto perigoso e demonstra uma conduta incorrecta, (...) a coloração
do cabelo é também ela uma conduta menos própria",
escreveu aquele responsável aos encarregados de educação
daquela jovem aluna, que até é considerada exemplarmente "estudiosa".
Antes de tomar aquela medida, porém, o director chamou
os pais à escola. De acordo com a mãe, ele pretendia que a rapariga
removesse imediatamente o referido objecto do corpo e descolorasse o cabelo.
De nada valeu a argumentação da progenitora explicando que o "piercing"
só poderia ser removido após a cicatrização e que
nunca nenhum professor se havia queixado da cor de cabelo da filha. "Está
suspensa", decretou o senhor director.
Este caso traz-me à memória uma conversa que
tive com professores meus conhecidos à volta, precisamente, dos usos
e costumes dos jovens. Por mais absurdo que possa parecer, a certa altura discutia-se
se seria ou não "próprio" os alunos trazerem vestidos
calções de banho durante o verão, em substituição
dos tradicionais calções. Que hoje (como sabe quem está
mais ou menos atento às modas juvenis) são por vezes mais compridos
do que os ditos calções "normais" - palavra tão
cara à generalidade da sociedade.
Porém, a questão nem sequer se centrava à
volta do decoro, de uns centímetros de roupa a mais ou a menos, mas tão
só ao facto de serem ou não uma peça de roupa na verdadeira
acepção da palavra. Mas podem explicar-me qual é a diferença
entre uma peça de vestuário que só difere da outra pela
sua designação? Que conduta menos incorrecta é demonstrada
por um aluno quando decide usar uns e não os outros? São calções
ou não são calções? Está calor ou não
está calor?
Servem estes exemplos para trazer à discussão
a liberdade de usos e costumes num local (escola) que, em princípio,
deveria constituir um exemplo de respeito pela diversidade e pela tolerância.
Perdoem-me os mais tradicionalistas, mas se não é com os pequenos
exemplos que se cativa os alunos para estes princípios, como pretendem
que no futuro tenhamos cidadãos que, em vez de se preocuparem com questões
mais importantes, vão andar a criticar o facto de o vizinho do lado ter
um brinco na orelha, o cabelo pintado de roxo ou andar com roupa pouco decente.
Por este caminho, qualquer dia ainda se institui uma polícia dos costumes,
como acontece em certos países islâmicos, onde andam uns senhores
muito atarefados a verificar se as mulheres trazem o corpo bem tapado ou se
os homens têm a barba suficientemente crescida. Haja paciência.
Ricardo Jorge Costa
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