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"Para Além da Educação"

Apropriando-me deste título, pretendo apontar neste artigo - tomando como base a evolução histórica do ensino brasileiro - a existência de um afetivo relacionamento, ao qual denomino "promiscuidade político-educacional", que extrapola a tudo que se poderia pensar a respeito da educação nacional. Em que pese o fato de sermos um "país-colónia", acostumado com o uso dos antolhos colocados de há muito em nossos rostos suados, responsáveis pelo enriquecimento ilícito daqueles que verdadeiramente conduzem a "biga" chamada Brasil; proponho-me a "denunciar" ou usando um termo mais apropriado, alertar, chamar a atenção daqueles que, de alguma forma vierem a tomar conhecimento destas incipientes reflexões, para o aspecto de que o desmantelamento do ensino brasileiro não se deve à má formação do seu corpo docente, nem tampouco ao seu desestímulo, à falta de reconhecimento, ou como queiram ainda, à baixa remuneração percebida por estes que deveras constituem acima de tudo, o esteio a esperança de um dia, que não se estabeleça tempo, poder ver definitivamente efetivada a democratização da educação nessa terra.

Minha análise temporal tomará como ponto de partida a década de 20, por entender que esta representa o marco simbólico das diversas tentativas de reformar o sistema nacional de ensino; antes porém, como dizia Napoleão Bonaparte; "É melhor começar por compreender a História para poder continuá-la", farei um breve intróito sobre o período colonial, atendo-me tão somente aos aspectos políticos, económicos e sociais da época.

É sabido por nós que a política de Portugal à época do descobrimento foi a priori, abandonar a terra brasilis, uma vez que, economicamente, esta não oferecia aos "descobridores" nenhum tipo de lucro. Com o passar do tempo, vão sendo verificadas em solo pátrio algumas riquezas, consequentemente, avizinha-se a necessidade de povoar melhor o território e ao mesmo tempo catequizar os gentis para serem empregados como mão-de-obra; desta maneira, os princípios educacionais entram no Brasil por meio dos Jesuítas que, em nome da igreja católica e da coroa real vêm "domesticar" o povo; assim , torna-se fácil identificar que o cerne da questão era de cunho político, ou seja, garantir a posse da terra.

Os fatos ocorrem sucedaneamente e, o que era apenas um "bando de pelados" vai adquirindo identidade própria, vai-se imiscuindo com outras etnias até que toma corpo nacional; é o homem brasileiro que, ao apontar no início da década de 20 já traz consigo as mazelas vividas de outras eras, as conquistas e as derrotas, e sobretudo a esperança, esperança esta que serviu de carapaça, capaz de fazê-lo suportar o desconforto da escravidão, a submissão da oligarquia cafeeira e sobretudo o julgo do sistema de produção que adquiriu força a partir da revolução industrial.

O Brasil se torna "independente" e mais, adentra ao século XX respirando os ares da república, mas ainda guarda no campo da Educação, alguns resquícios do Império, tal como o ensino elitizado que visava atender aos reclames da nova classe social erguida com o capitalismo. A promessa positivista inebriava os intelectuais brasileiros que, imbuídos dos ideais de Comte, lutavam contra as resistências dos senhores do café no tocante a Revolução Cultural, assim é que se alastra o chamado entusiasmo pela educação que logo seria sufocado pela oligarquia, passando as questões sobre democracia, federalismo, industrialização e também educação popular a não mais serem consideradas prioritárias; todavia ratifica-se a gerência política sobrepujando os assuntos mais delicados no cenário nacional.

O que antes era entusiasmo nos anos 20 passa a ser otimismo pedagógico, agora não era a sociedade civil sua principal fonte irradiadoras, mas sim a sociedade política, a qual empreendeu um ciclo de reformas educacionais estaduais. Na visão de Otaíza Romanelle, o panorama nacional era: "abalando os alicerces da intelectualidade tradicional, a semana de arte moderna em 1922 reuniu representantes da pintura, escultura, música, arquitetura e literatura..." pois a efervescência na área da educação é sui generis.

O escolanovismo começa a aflorar no Brasil, aliás, se existe algo que mereça ser destacado nesse artigo, é a falta de capacidade dos intelectuais da época, em desenvolverem um programa ou mesmo um ideal próprio, ao contrário, apropriavam-se das ideias estrangeiras, como é o caso de John Dewey, filósofo norte americano que influenciou a elite brasileira com o movimento da Escola Nova (grifo nosso). O escolanovismo se ateve mais aos aspectos técnicos ligados à educação, não dando maior importância à educação popular, naquele período da história os embates ficaram por conta dos conservadores e dos progressistas.

Ao findar a década de 20 é possível notar que poucos foram os avanços no campo educacional, ademais, o ensino praticado mantinha o mesmo aspecto elitista e dualista, porém no início da década de 30, Getúlio Vargas assume o governo provisório e declara a um grupo de intelectuais a necessidade pedagógica da qual a revolução ressentia-se; com base nessa declaração e absorvidos pelos ideários de Dewey e Durkheim esses intelectuais se reúnem e, em 1932 publicam o Manifesto dos Pioneiros, tendo como principal signatário Fernando de Azevedo e como ponto fundamental a luta pela laicização do ensino e a co-educação. Tal documento estava repleto de boa vontade, contudo também pouco veio acrescentar, senão o fato de alertar para a distância havida entre a educação e os reclames do desenvolvimento.

Concomitantemente ao desenrolar da publicação do manifesto, Francisco Campos é nomeado por Vargas para assumir o ministério da educação; tendo sido ele o responsável pela reforma no Estado de Minas Gerais, procurou resgatar aqueles princípios e empreg·-los numa reforma mais ampla a nível nacional. A Reforma Francisco Campos preocupou-se bastante com o ensino secundário, sendo o mesmo subdivido em dois ciclos: "um fundamental , de cinco anos de duração, e outro complementar, de dois anos, visando a preparação para o ingresso no ensino superior " (OTAÍZA ROMANELLI, p. 246). Embora tenha havido algum progresso no que tange ao ensino secundário, Francisco Campos não se comprometeu com o ensino primário e muito menos ainda com o profissionalizante industrial.

Em sua base, o ensino secundário do país continuou elitista e como se não bastasse, aprofundou o processo seletivo numa proporção até então desconhecida, fruto da rigidez das avaliações e exames impostos. Cabe ressaltar, só para não perder de vista o propósito primeiro desse artigo, a facilidade que Francisco Campos tinha para transitar entre os grupos conservadores e liberais, tal "salvo-conduto" fez com que ele procurasse atender a ambos os anseios em sua Reforma. Assim, os "avanços" conseguidos foram: a criação do Conselho Nacional de Educação, reorganização da Faculdade do Rio de Janeiro, organização do Ensino Secundário, Regulamentação da Profissão de Contador e estruturação do Ensino Comercial.

Durante o período de 32 a 42, o movimento renovador assume uma postura letúrgica em relação à reforma do sistema educacional em plena ditadura Vargas, quando então é Ministro da Educação o Sr. Gustavo Capanema, reiniciam-se os embates políticos a respeito da reforma do ensino primário. Desta feita, são regulamentados diversos decretos que foram denominados Leis Orgânicas do Ensino.

A Lei Orgânica do Ensino, vulgarmente conhecida como Reforma Capanema, em nada contribuiu para a mudança do ensino secundário, mas tão somente ratificou, através da manutenção dos exames rígidos e seletivos, o papel antidemocrático do ensino brasileiro. Todavia, no campo do ensino profissional houve alguma alteração a ser considerada: Foram criados dois tipos, um mantido pelo sistema oficial e outro, paralelo, mantido pelas empresas; além disso, surgem o SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) e o SENAC (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial).

A reforma Capanema enfatizou o dualismo do ensino brasileiro. Entretanto, após o Estado Novo, finalmente ocorre a Reforma do Ensino Primário que implementa o ensino supletivo de dois anos, importante para a diminuição do analfabetismo no país. Não se pode esquecer o tom fascita-clerical do Plano Nacional de Educação, caracterizado na fala de Gustavo Capanema, durante a realização do sétimo Congresso Nacional de Educação, promovido pela A .B.E: "Ensinemos o brasileiro a ser humilde e miserável para sentir a eternidade"! _ Exclama o Ministro Capanema.

A partir da Reforma Capanema o país mergulha no populismo e inicia-se um debate sobre a educação que se prolongaria por treze anos consecutivos na tentativa de desenvolver um anteprojeto da Lei de Diretrizes e Bases (LDB). O pano de fundo desta nova tentativa de reformar o ensino brasileiro é revestido de divergências em torno da descentralização ou não do ensino; porém as discussıes tornam-se mais veementes após a apresentaÁção pelo deputado Carlos Lacerda, de um substitutivo, cujo teor versava sobre a liberdade de ensino, passando este a estimular a iniciativa privada.

Daí em diante, os embates entre católicos e antigos "pioneiros" da educação se reacendem; de um lado a Igreja quer manter o "status quo" como sua marca histórica elitista e do outro, os liberais querendo possibilitar às camadas populares o maior acesso à educação, a fim de que esta participasse mais das questões políticas, o que consequentemente implicaria numa mobilidade dentro da estrutura de poder. Todavia, quando o projeto de Lei, transforma-se finalmente em Lei (Lei 4.024/61), já não mais atende às expectativas.

Aí está portanto o desvelamento daquilo que todos os profissionais da educação têm conhecimento, mas que não conseguem isolar do ato de educar puro e simples, estamos nos referindo à política, essa chaga que ao longo do tempo vem roendo o corpo da sociedade, que se apropria como se senhora fosse da razão, de quem deve e de quem não deve ter o acesso ao conhecimento, atuando falaciosamente como divisor de águas e sorrateiramente como guardiã inexorável da classe hegemónica.

Francisco Leonardo
Estudante do Curso de Pedagogia
da Universidade Estadual do Oeste do Paraná

  
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Edição:

N.º 103
Ano 10, Junho 2001

Autoria:

Francisco Leonardo
Estudante do Curso de Pedagogia da Universidade do Oeste do Paraná
Francisco Leonardo
Estudante do Curso de Pedagogia da Universidade do Oeste do Paraná

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