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Educação em Portugal 2011/2012: europeização, periferia e subdesenvolvimento

Vivemos em Portugal um terramoto cujas dimensões e contornos são ainda difíceis de precisar. Entre a brutalidade dos cortes orçamentais e a sanha demolidora contra o sistema público edificado pela democracia, teme-se a destruição maciça que o projeto neoliberal deste Governo deixará atrás de si. A europeização da educação, como consumação de um destino de integração periférica subalterna do país, ameaça reconduzir-nos inexoravelmente a uma rota de subdesenvolvimento, internamente secundada pelo centenário projeto das elites de obscurantismo programado da população portuguesa, que as forças favoráveis à democracia não conseguiram neutralizar em quase 40 anos. Neste futuro às arrecuas que nos é servido, avoluma-se perigosamente o risco de incumprimento do contrato social da democracia com o povo português e os cidadãos europeus, em particular do Sul. Conter o défice social e político em progressão galopante é a meta que convoca todas as forças e todas as lutas dos educadores, pedagogos e ativistas para tornar possível mudar de futuro.

Desde os anos 90, a europeização da educação vem sendo estudada, entre nós, em torno da ideia de um processo de articulação entre prioridades e orientações de instâncias políticas europeias e nacionais, no quadro da edificação de um sistema político de múltiplos níveis, com a formação de um espaço comum europeu de políticas públicas.
Mais tarde, na primeira década deste século, a perspetiva de uma nova ordem educacional permitiu discutir a nova arquitetura e o novo elenco das políticas educativas, visíveis, por exemplo, no desenvolvimento dos processos de Bolonha e Copenhaga ou do Programa Educação & Formação 2010. Estas políticas foram entendidas enquanto expressões de projetos de constituição do espaço europeu de educação e da Europa como entidades servidas pela bandeira da educação e aprendizagem ao longo da vida, colocada no topo das prioridades políticas e no centro da economia pela Estratégia de Lisboa.
Hoje, estes referenciais e as ferramentas concetuais que mobilizámos para explorar os desenvolvimentos políticos e as dinâmicas socioeducativas aparecem-nos como deslocados e inadequados, obrigando-nos a enfrentar a vertigem quotidiana de decisões e procedimentos inusitados da tutela desarmados de âncoras analítico-metodológicas e de instrumentos explicativos que elucidaram os caminhos seguidos em momentos anteriores.
As opções educativas no Portugal de hoje não podem já ser perspetivadas no horizonte da estratégia Europa’2020, de Bolonha e Copenhaga e do Programa Educação & Formação 2020. As escolhas políticas não são compreensíveis enquanto apropriação e contextualização ou respostas nacionais a orientações de política educativa europeia.
Num primeiro momento, e nos termos em que as concebemos, as explicações em termos de europeização e/ou de nova ordem educacional como processos de âmbito global, em que as dinâmicas educacionais portuguesas se integram, revelam-se infrutíferas para elucidar o tempo e os factos que vivemos em 2011 e 2012. Na verdade, a excecionalidade portuguesa de hoje, brutalmente submetida a políticas de ajustamento estrutural que produzem subdesenvolvimento e regressão social, que paralisam a economia e nos constrangem ao destino de reforço da posição periférica face à Europa, é uma espécie de retorno ao centenário atraso português do Liberalismo ao Estado Novo, que a recente experiência europeia não exorcizou e, bem pelo contrário, parece ter vindo a reproduzir desde os tempos iniciais.
Estão agora em curso medidas de desmantelamento de políticas sociais e do Estado de bem-estar que países do Centro – como a Alemanha, a Finlândia ou a Holanda – não adotam para eles mesmos e que colocam Portugal numa rota de empobrecimento e de subdesenvolvimento inaceitáveis num continente rico e nos alojam numa periferia e marginalidade social e económica intolerável no quadro de um projeto político geoestratégico de
integração europeia.
É, no entanto, desde 1986 – com o Ato Único Europeu para estabelecer o Mercado Único; com o Tratado de Maastricht, a União Económica e Monetária e a antecipada liberalização e abertura de barreiras alfandegárias (acompanhadas que foram da destruição sistemática, e negociada com os governos portugueses, de setores produtivos, como a agricultura e as pescas), nos anos 90; e com a adesão ao Euro (2000) – que se vem escrevendo o enredo que aqui nos trouxe.
A troica é uma estrutura de intervenção e subalternização no quadro da União Europeia que veicula opções políticas de subdesenvolvimento, cuja origem está inscrita numa escolha fundadora da União – a construção do Euro como moeda única.
Nesse sentido, o reforço da posição periférica de Portugal – como da Grécia – revela-se parte e consequência da europeização: o movimento de constituição e integração da UE inclui, como agora nos é dado ver, processos de subordinação política e destituição económico-social, dinâmicas de divergência e opções de aprofundamento de assimetrias.
Testemunhamos, desse modo, a degradação violenta dos sistemas públicos de Educação, Saúde e Segurança Social e o enfraquecimento sistemático do tecido social e da Economia, em consequência da ação coordenada de instâncias políticas (como a Comissão Europeia), de entidades fundamentais (como o Banco Central Europeu) e do colaborante Governo português.
Observamos, ainda, a desarticulação formal entre estes desenvolvimentos paralelos e as políticas europeias oficiais e normais, plasmadas nos documentos programáticos produzidos pelas instituições do sistema político europeu: Conselho, Parlamento, Comissão.
Constatamos, então, sem margem para dúvidas, que as opções de sacrificar a população e a sociedade portuguesas são ainda parte do sinuoso e armadilhado processo de europeização, hoje sob hegemonia do fundamentalismo neoliberal. Como se estivéssemos perante a consumação desse lado encoberto, que sempre esteve atuante, de uma integração subordinada das periferias, com todos os custos que neste momento experimentamos.
Neste quadro de dura confrontação política, o projeto neoliberal de alteração radical do regime democrático do Estado de bem-estar, atualmente dominante na UE, vem conseguindo suspender a incipiente democracia que aí vigora, neutralizar o seu sistema e instituições políticas formais e impor as prioridades dos interesses financeiros e desta espécie de guerra monetária e económica servida por governos e governantes (os que decidem e os outros) em exercício.
Vivemos, em Portugal, uma fase do processo de europeização da educação, marcado pela integração subordinada e periférica do país numa União construída (ou minada) sob a hegemonia do projeto neoliberal abertamente voltado para a dualização económica e social da Europa.
Como ocorreu em países dos continentes sul-americano e africano submetidos à ditadura da dívida e às soluções austeritárias do chamado ajustamento estrutural, aquele projeto é imposto mais severa e radicalmente nas periferias agora abaladas pela consumação do desmoronamento da economia, em sociedades onde os direitos são mais recentes, as instituições políticas e democráticas mais frágeis e as desigualdades e assimetrias não cessam de reforçar-se e crescer.
O designado projeto europeu assume hoje, para as periferias, a face nua do capitalismo neoliberal radical, determinado, na sua visceral desumanidade, a impor a regressão civilizacional da aniquilação dos direitos sociais e humanos para a maioria e o totalitarismo da mercadorização integral da vida.
Neste cenário de dualização económica e social, a europeização da educação, como consumação de um destino de integração periférica subalterna do país, ameaça reconduzir-nos inexoravelmente a uma rota de subdesenvolvimento, internamente secundada pelo centenário projeto das elites de obscurantismo programado da população portuguesa, que as forças favoráveis à democracia não conseguiram neutralizar em quase 40 anos.
Neste futuro às arrecuas que nos é servido, avoluma-se perigosamente o risco de incumprimento do contrato social da democracia com o povo português e os cidadãos europeus, em particular do Sul; conter o défice social e político em progressão galopante no nosso país é a meta que convoca todas as forças e todas as lutas dos educadores, dos pedagogos e ativistas para tornar possível mudar de futuro.

Fátima Antunes


  
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