As escolas TEIP reúnem condições de maturidade para definirem alguns critérios de contratação do corpo docente, a par de um desenho organizacional próprio e de adaptações curriculares. Impõe-se garantir estabilidade de recursos, alargar margens de autonomia e criar uma dinâmica verdadeiramente territorial.
Se me fosse exigido fazer um balanço sobre este projecto, a partir dos resultados de um estudo que coordenei sobre as escolas TEIP [territórios educativos de intervenção prioritária], referiria a existência de óbvios ganhos: desenvolvimento de uma cultura de parcerias outrora inexistente; recuo do abandono e do insucesso escolar, bem como da indisciplina (apesar dos indicadores por que esta se mede nunca serem explícitos...); proliferação da oferta educativa e para-educativa, num reconhecimento implícito quer da diversidade de públicos estudantis, quer da pluralidade que habita o próprio aluno (além de estudante é um jovem); complementaridade da relação professor/aluno com a relação media dor/aluno; desenvolvimento de lógicas superiores de organização e de planeamento. Estes ganhos não são, todavia, isentos de tensões, consubstanciais, aliás, à existência de diferentes pontos de vista e de graus distintos de implicação em projectos comuns. Realçam-se, ainda, aspectos negativos que ameaçam o projecto. Desde logo, a instabilidade contratual. Num primeiro nível, as escolas nunca sabem se vão poder contar com os mesmos professores e técnicos. Amiúde, a rotação de recursos humanos é enorme. Desta forma, existe uma sensação de profundo desperdício: das direcções, que investem na recepção e formação de quem chega (e rapidamente parte); de boa parte dos professores e técnicos, que questionam o sentido de um investimento que se revela efémero; e dos próprios alunos, que criam fortes laços afectivos que se desmoronam. Num segundo nível, existem concepções distintas das vivências de autonomia por parte da tutela e das escolas. Estas zonas de sombra contribuem para alim entar representações de incerteza e risco, tanto mais que estão envoltas, tantas vezes, numa parafernália de processos e contactos burocráticos. Assim, impõe-se garantir estabilidade de recursos; alargar margens de autonomia, clarificar e desburocratizar. Importa, ainda, sinalizar uma limitação substancial e apontar uma ambição. A limitação prende-se com a dificuldade de as escolas TEIP (possivelmente com excepção do agrupamento da Apelação) se aceitarem como são. A constante comparação com a ‘escola-padrão’, mirífica entidade, leva-as a nem sempre reconhecerem a sua singularidade como uma oportunidade. É claro que a existência de um sistema de ensino ainda severamente centralizado, a par de uma hierarquização das escolas que tem como subjacente uma avaliação estandardizada que ignora as especificidades de cada contexto (ou, se quisermos, o ethos distinto e distintivo de cada escola), contribui para este permanente fantasma. Uma das consequências passa por uma visão excessivamente estereotipada dos territórios envolventes, encarados como repositórios de todos os males e défices – o bairro como espécie de cidadela sitiada. A escola, nesta perspectiva, é uma espécie de ilha contra o resto do mundo... Contudo, sem cair no exagero do “tudo é escola” (tantas vezes presente na violência da sociedade contra a escola, que dela descrê, pela cada vez menor ligação entre título e posto, mas que, ao mesmo tempo, tudo lhe exige: educação para a cidadania; disseminação das civilidades; formação artística; educação sexual; etc.), importa criar uma dinâmica verdadeiramente territorial. A escola não pode ver-se a si própria como a regeneração possível do bairro ou da cidade através das “pessoas dos alunos” (representação de um certo imperialismo psicologizante...). Os agrupamentos podem contribuir para a própria renovação da vida local, sem qualquer tipo de messianismo, abrindo a escola como uma das instituições (provavelmente a principal) que não apenas actuam no local, mas, principalmente, com e para o local. Sem resvalar para a ilusão de uma total fluidez que dissipasse a mútua exterioridade escola/bairro, seria, todavia, crucial identificar fluxos comuns (interesses culturais e cívicos, movimentos sociais, equipamentos, recursos humanos...) e construir uma rede. A ambição, enfim. Se há algo que estes estudos sustentam, é a existência de uma forte consciência reflexiva das escolas sobre a sua missão, porventura mais um dos efeitos positivos do próprio projecto TEIP. De igual modo, perpassa uma clara vontade de aumentar as traduções locais das arquitecturas jurídicas das grandes políticas educativas. Urge, assim o entendo, aumentar as margens de autonomia destas escolas, sem prejudicar a existência de um sistema de ensino público. Conciliar a universalidade (igual tratamento; idêntico acesso aos mesmos bens e serviços) com o direito à diferença e à especificidade é uma das tensões mais profícuas do nosso tempo. No caso vertente, estas escolas transportam condições de maturidade para definirem alguns dos critérios de contratação do corpo docente, a par de um desenho organizacional próprio e de adaptações curriculares que flexibilizem os modos de ensino e de aprendizagem. Sendo escolas, são singulares.
João Teixeira Lopes
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