Nem todos os filmes japoneses, animados ou não, mostram uma harmonia animista como os de Miyazaki. Na maioria, o mar que rodeia o Japão é um inimigo mortal, sacudido por forças subterrâneas.
Em Setembro de 2008, Hayao Miyazaki encontrava-se no Festival de Veneza para apresentar a longa-metragem «Ponyo» (na foto). Nesta cidade tão ligada ao mar, o realizador japonês explicou porque tinha escolhido terminar o filme com um tsunami e porque os japoneses celebram a natureza em vez do seu poder destruidor. “Há muitos furacões e terramotos no Japão”, disse. “Não há razão para mostrá-los como maus acontecimentos. São coisas que acontecem no mundo em que vivemos. Fico sempre comovido quando visito Veneza, por ver, nesta cidade que se está a afundar, as pessoas a viverem como se tudo corresse normalmente. É uma das dádivas da sua vida. Da mesma maneira, as pessoas no Japão têm uma percepção dos desastres naturais”. Realmente, nos filmes de animação de Miyazaki, a natureza dita os seus termos à humanidade. O tsunami em «Ponyo» é benéfico para os locais que invade, que com a sua população envelhecida e as suas pequenas cidades costeiras se parecem com o Japão real. Mas nem todos os filmes japoneses, animados ou não, mostram uma harmonia animista como os de Miyazaki. Na maioria dos filmes do Japão, o mar que o rodeia é um inimigo mortal, sacudido por forças subterrâneas. Alain Schlockoff, que organizou o Festival de Cinema Fantástico de Paris durante anos e agora dirige «L Écran Française», ficou particularmente impressionado com «Tidal Wave» (1974), um filme de ficção científica que teve um grande sucesso no Japão. Baseado em «Nihon Chinbotsu», uma novela-catástrofe de Sakyo Komatsu, conta a história do desaparecimento de um arquipélago devido a tsunamis e erupções vulcânicas causados pela deslocação das placas tectónicas. “Os técnicos japoneses são muito bons a fazer modelos à escala e os filmes são exactamente o que vimos na realidade”, diz Schlockoff. Teve um remake em 2006, com «A Submersão do Japão», o que mostra o êxito destes pesadelos. Desde 1945, com as bombas atómicas lançadas em Hiroshima e Nagasaki, as ameaças da natureza são acompanhadas pelo medo da guerra nuclear. A manga «Barefoot Gen», passada em Hiroshima, foi transposta para cinema, mas a maioria das animações japonesas mostram a destruição das cidades sem explicar as causas. Um exemplo típico é o anime «Metropolis», baseado no filme do mesmo nome (Fritz Lang). Similarmente, «Steamboy», de Katsuhiro Otomo, que se passa num mundo paralelo em que não existem motores de combustão nem energia nuclear, mas onde a tecnologia representa uma ameaça mortal para a comunidade. Estes filmes parecem ser feitos para exorcizar os medos. Godzilla é o mais velho e o mais famoso destes exemplos. O monstro nasceu em 1954, menos de dez anos antes das bombas atómicas, e nos estúdios Toho ainda existe uma estátua sua. O lagarto gigante nasceu de experiências de cientistas nucleares americanos. Era suficientemente poderoso, duro e radioactivo para destruir Tóquio e, ao contrário de King Kong, não nos desperta simpatia, apenas terror. Este filme foi um sucesso tão grande que teve quase 30 sequelas. Em 1998, Hollywood deu a Roland Emmerich a rodagem do remake. Aí, a mutação era devida aos testes nucleares franceses. E mais um está a caminho... Os pesadelos japoneses são contagiosos. A 8 de Março, o realizador mexicano Guillermo del Toro anunciou que estava a começar «Pacific Rim», no qual uma falha no fundo do oceano liberta enxames de criaturas monstruosas que destroem Tóquio e Los Angeles. Algumas dúvidas invadiram o projecto, devido à realidade assustadora mostrada pelas televisões no Japão. Ao ver as imagens na TV, Schlockoff admite que se sentiu “de certa forma envergonhado pelo prazer que lhe deram os filmes”. Afinal, eles eram mais uma premonição do que um exorcismo.
Paulo Teixeira de Sousa
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