Um dos maiores poetas portugueses, Herberto Hélder, morreu esta segunda-feira aos 84 anos, na sua casa em Cascais. O poeta nasceu em 1930 no Funchal, frequentou a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e, já em Lisboa, foi jornalista, operário, empregado numa cervejaria, bibliotecário, locutor de rádio e tradutor. Autor de “O Amor em Visita”, “Os Passos em Volta", “Filosofia na Alcova”, entre outros, Herberto Hélder – que recusou o Prémio Pessoa nos anos 90 – lançou no ano passado “A Morte Sem Mestre”, a última das suas obras. “Morreu um poeta maior”, frisou a Porto Editora.
Sobre um Poema
Um poema cresce inseguramente
na confusão da carne,
sobe ainda sem palavras, só ferocidade e gosto,
talvez como sangue
ou sombra de sangue pelos canais do ser.
Fora existe o mundo. Fora, a esplêndida violência
ou os bagos de uva de onde nascem
as raízes minúsculas do sol.
Fora, os corpos genuínos e inalteráveis
do nosso amor,
os rios, a grande paz exterior das coisas,
as folhas dormindo o silêncio,
as sementes à beira do vento,
- a hora teatral da posse.
E o poema cresce tomando tudo em seu regaço.
E já nenhum poder destrói o poema.
Insustentável, único,
invade as órbitas, a face amorfa das paredes,
a miséria dos minutos,
a força sustida das coisas,
a redonda e livre harmonia do mundo.
- Em baixo o instrumento perplexo ignora
a espinha do mistério.
- E o poema faz-se contra o tempo e a carne.
Herberto Hélder
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