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Energias renováveis: o pouco e o muito

O recurso às energias renováveis ganhou grande presença no discurso político e eco na comunicação social. A vida e evolução humana assentou inteiramente nelas até ao século XVIII. Depois, nos dois últimos séculos, os combustíveis fósseis suportaram a reorganização socioeconómica e ampliaram a capacidade de intervenção na natureza. Mas há razões para reconduzir este percurso a um retorno parcial às fontes renováveis. As melhores reservas de combustíveis fósseis foram já exauridas, pelo que, a prazo, a sua substituição será necessária, para além dos impactos ambientais da sua extração e uso como fontes de energia omnipresentes. A maioria das energias renováveis são fluxos permanentes que emanam direta ou indiretamente da radiação solar incidente na Terra. O fluxo solar no topo da atmosfera varia com latitude e hora, sendo em média 340 W/m2 para todo o globo. Ao atravessar a atmosfera é atenuado e perturbado pela nebulosidade, exibindo grande variabilidade à superfície da Terra. Sobre o nosso território incide em média cerca de 200 W/m2. Os fluxos mais acessíveis são a própria radiação solar e o vento. Colhidos extensivamente poderiam prover grandes caudais. A radiação solar sempre foi a nossa fonte primeira, por via de conversão fotossintética, no topo da cadeia alimentar que suporta a biosfera. A biomassa fornece alimentos, materiais, combustíveis como lenha e biocombustíveis, e mesmo lixos e efluentes orgânicos podem ser incinerados ou parcialmente convertidos em metano.

A radiação solar pode ser captada para gerar calor, atingindo temperatura dependente do grau de concentração que se realize por via ótica. Ou pode ser captada para diretamente gerar eletricidade por via fotovoltaica. A energia do vento, ou eólica, é energia mecânica acionada pela radiação solar na atmosfera, que pode ser captada por moinhos mecânicos ou aerogeradores elétricos.
A energia hídrica é disponibilizada pelo ciclo da água, acionado pela radiação solar entre a superfície da Terra e a atmosfera, e é captada no caudal de água da precipitação recolhida em bacias hidrográficas, por via de moinhos ou turbinas acopladas a geradores elétricos.

Portugal consome anualmente 260 TWh de energia sob todas as formas. A energia elétrica de origem renovável produzida no país atinge 24 TWh – cerca de metade da energia elétrica e 9% da energia total consumidas no país. Para essa produção renovável estão instalados equipamentos geradores com 13,8 TW de capacidade, o que significa que apenas funcionam a 20% da sua capacidade (1740 horas por ano); seja porque falta o recurso, seja porque a disponibilidade do recurso não coincide com a procura do consumo.
Qual a viabilidade e o alcance de multiplicar instalações para captar estas fontes de energia? A captação e consumo descentralizados são possíveis em áreas de baixa densidade populacional. Porém, a larga maioria da população habita áreas urbanas, que não se adequam a integrar produção renovável autónoma e disponibilidade permanente, pelo que é necessário investir em centrais de captação, centrais de armazenamento, redes de transporte e distribuição – isto é no sistema como um todo. O dimensionamento da geração renovável não é separável do dimensionamento da capacidade de armazenamento, para que quer os recursos de energia disponíveis, quer os pesados investimentos sejam plenamente utilizados.
O território de Portugal tem 92 mil milhões de m2 e acolhe pouco mais de 10 milhões de habitantes. O que corresponde a 115 habitantes por km2 ou 8700 m2 per capita. Enquanto o consumo de energia per capita é 70 kWh/dia, i.e. 2,9 kW; notar que este consumo inclui alimentação e consumos domésticos, mas também quota parte de transportes, serviços públicos e comerciais.

A fonte renovável mais óbvia é a biomassa. Se 10% do território fosse explorado como fonte de aprovisionamento de energia, com eficiência fotossintética 0,5%, a energia captada seria 52 kWh/dia per capita. No caso de parques solares fotovoltaicos com 10% de eficiência, cobrindo 2,5% do território, a energia captada seria 100 kWh/dia per capita. No caso de parques eólicos, com uma potência média gerada de 2 W/m2, cobrindo 2,5 % do território, a energia captada seria 40 kWh/dia per capita. No caso da energia hidroelétrica, dados precipitação anual e declive, a potência gerada seria da ordem de 1 W/m2; abarcando 25% do território, a energia média captada seria 31 kWh/dia per capita.
Podemos considerar ainda outros fluxos renováveis: geotérmicos, oceânicos (ondas e marés) e eólicos no offshore. Sendo importantes, a sua ocorrência está mais estritamente localizada, os seus aproveitamentos requerem investimentos mais pesados e somam menores recursos.
Devemos agora contrapor que captação e consumo de energias renováveis também geram impactos ambientais, como sejam os associados à obtenção dos materiais e ao fabrico dos equipamentos exigidos na captação, como também ao resto do sistema; também porque a captação de um fluxo natural num local (com sua transformação e devolução mais além) cria um desequilíbrio relativamente ao equilíbrio primordial. Reconhecemos isso no que toca aos fluxos hídricos, o que é menos percetível em relação aos fluxos solar e eólico.

Constrangimentos. Pelo que fica dito, em teoria, existem oportunidades de captar internamente energia renovável bastante para satisfazer o atual nível de consumo de energia. Mas devemos atender aos constrangimentos:
1) temos de acautelar a preservação de áreas que são, ou devem ser, reservas naturais, bem como as áreas destinadas ao edificado e urbano, meios de transporte e outros usos essenciais e identificar as áreas passíveis de servirem para captação de energia renovável;
2) numa dada área, a captação de uma energia renovável poderá excluir a sua utilização para outros fins; duas fontes de energia poderão coexistir mas não disponíveis ambas; a cobertura do plano de água de albufeiras com painéis fotovoltaicos será uma exceção;
3) as fontes de energia renovável são de disponibilidade variável, quase aleatória, face a padrões de consumo impostos pelo modo de vida socialmente ordenado, o que implica introduzir meios de armazenamento de energia em larga escala;
4) existem diferentes formas de energia para consumo final (eletricidade, calor, combustíveis) e, portanto, há necessidade de conversão de energia primária em final;
5) temos de assegurar redes para transporte de energia para as áreas de consumo, bem como identificar os pontos onde instalar equipamentos de conversão ou de armazenamento.
E, naturalmente, devemos prever a depreciação dos equipamentos de captação e conversão de energia. Pois que os fluxos renováveis são livres, porém os equipamentos – desde a captação à distribuição para consumo final – são capital intensivo e não são renováveis.
Assim sendo, a energia captada deverá não só fornecer a energia diretamente destinada a consumo final (no nosso caso, 70 kWh/dia), mas também compensar a dissipada na conversão de energia captada em final (por exemplo, eletricidade em gás metano) e ainda para repor a energia incorporada nos equipamentos de todo o sistema energético (desde a captação à distribuição) quando esses equipamentos chegam ao final do tempo de vida útil.

Tudo junto, a proposta transição em larga escala para as energias renováveis indicia o risco de incorrer em baixa eficiência energética (baixo retorno de energia final face à energia captada e a investida no funcionamento do próprio sistema energético) e concorrente baixa rendibilidade económica (implícita nos estímulos facilitados).
De recordar que – seguindo normas internacionais – os transportes marítimos e aéreos escapam às contas nacionais de energia, não estão aqui contabilizados, todavia representam uma fração substantiva dos consumos mundiais e exigem combustíveis líquidos. Registar, ainda, que existem consumos invisíveis de energia incorporada nos bens transacionados entre países – desde produtos agrícolas a produtos industriais. No caso do nosso país, este saldo é importador. Que também escapam às contas nacionais.
Tudo junto – consumos e dissipação no próprio sistema energético, mais transportes internacionais e consumos invisíveis - o consumo de energia per capita será bem superior aos 70 kWh/dia – e nem todo poderá ser suprido por energias renováveis.

Rui Namorado Rosa


  
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