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Falando de doenças com jovens: o sucesso da sick lit

O doente não pode falar de si, o cuidador não pode falar do luto, não podemos falar das dores e medos, e assim vivemos solitários no meio da multidão. O que esses livros fazem, muitas vezes, é romper o silêncio sobre algo presente em nossas vidas e que tememos abordar.

Há diversos assuntos em nossas sociedades que despertam, paradoxalmente, repulsa e curiosidade. A doença é um deles. Apesar de não desejarmos conviver com o diagnóstico de uma doença, curável ou não, o tema nos mobiliza por se tratar de uma condição humana, de algo que se passa em nossos corpos em algum momento da vida. Como afirmou o médico e escritor brasileiro Moacyr Scliar, “nada é mais revelador da condição humana que a doença”.
Passar pela experiência da doença é inevitável. No entanto, vivemos em uma sociedade que celebra discursos de felicidade e de que devemos estar sempre bem (ou pelo menos aparentar). Na contramão dessa ideia, uma vertente literária vem crescendo e tomando conta das estantes de livrarias e das mentes de jovens leitores – a sick lit, livros juvenis que contam com um ou mais protagonistas com doenças graves. Fenômeno mundial, tal literatura é consumida incansavelmente, em inúmeros países, por jovens de culturas diferentes que comentam seus enredos nas redes sociais e aguardam por adaptações para o cinema.
Num cenário em que se lamenta o decréscimo de jovens leitores, os números do fenômeno sick lit são surpreendentes. «A culpa é das estrelas», de John Green, um dos queridinhos do gênero, publicado em 2012 e que conta a história de amor de Hazel Grace e Gus, jovens com câncer, atingiu o primeiro lugar na lista de best-sellers da Amazon e da Barnes & Noble poucos meses após ter sido lançado. Outros grandes sucessos são «Somos Todos Milagres», que conta a história de um menino que nasceu com uma deformidade no rosto, e «As vantagens de ser invisível», que trata do tema do suicídio. Todos tiveram adaptações bem sucedidas para o cinema.
Os livros dessa vertente abordam doenças variadas, com destaque às crônicas, incuráveis, com as quais o jovem precisa aprender a conviver. Também ganham relevo as deficiências, sequelas decorrentes das patologias desses personagens, assim como a depressão e as ideações suicidas. Se numa geração anterior a preferência literária voltava-se para sagas fantásticas como «Harry Potter», «Crepúsculo» e «Divergente», uma nova geração de leitores parece estar buscando títulos mais condizentes com narrativas que se aproximam de suas vidas – a sick lit atende essa demanda, trazendo, em livros de leitura fácil, reflexões importantes sobre a vida e a morte.

Romper o silêncio. Contudo, o sucesso de tal vertente divide opiniões. Enquanto para uns é uma literatura que não subestima o adolescente, tratando de temas maduros e dolorosos sem fantasiar a realidade, para outros aparece como um perigo, que poderia levar a atitudes negativas.
Esse medo não é algo novo. A ‘onda de suicídios’, em 1774, supostamente provocada por «Os sofrimentos do jovem Werther», de Goethe, embora nunca suficientemente comprovada, ainda hoje paira em nosso imaginário cultural como algo assustador. Parece que tememos, enquanto sociedade, ao falar de doenças, o seu potencial de contágio. Não o contágio da doença, mas dos significados que atribuímos a elas em nossas construções culturais.
Num tempo em que a medicina parece poder nos salvar de todo e qualquer ‘mal’, ter uma doença é um erro a ser corrigido. Falar de doenças, mostrar o corpo doente, é algo indesejado e inadequado. Essa interdição de nossos males físicos e emocionais, dos nossos lutos, tem contribuído para uma onda de patologias mentais como ansiedade, depressão e síndrome do pânico. O doente não pode falar de si, o cuidador não pode falar do luto, não podemos falar das dores e medos, e assim vivemos solitários no meio da multidão.
O que esses livros fazem, muitas vezes, é romper o silêncio sobre algo presente em nossas vidas e que tememos abordar. Algumas representações fantasiosas e potentes das doenças (como a do guerreiro que precisa vencer), às vezes presentes nesses romances juvenis, podem ser importantes para uma discussão mais ampla dos sentidos das doenças em nossas vidas.
O importante é que essa literatura tem grande capacidade mobilizadora na formação de novos leitores, podendo contribuir para uma valorização da experiência das doenças e deficiências sem negá-las ou ocultá-las. De certa forma, afirma-se que, se você, jovem, tem uma doença ou um sofrimento, você não é um fracasso e, sim, há espaços para falar sobre isso.

Bruna Rocha Silveira


  
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